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“O Êxodo não existiu”, diz o arqueólogo Israel Finkelstein

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bibliaerrada

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Israel Finkelstein é um homem de sorte: mesmo que seus trabalhos de arqueologia questionem a origem divina dos primeiros livros do Antigo Testamento, judeus e católicos acolhem suas hipóteses com autêntico interesse e, curiosamente, não o estigmatizam. Este “enfant terrible” da ciência revolucionou a nova arqueologia bíblica quando afirmou que a saga histórica relatada nos cinco livros que formam o Pentateuco dos cristãos e a Torá dos judeus não responde a nenhuma revelação divina. Disse que, pelo contrário, essa gestação é um brilhante produto da imaginação humana e que muitos de seus episódios nunca existiram.

O Pentateuco “é uma genial reconstrução literária e política da gênesis do povo judeu, realizada 1500 anos depois do que sempre acreditamos”, afirma Finkelstein, de 57 anos, diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade de Tel Aviv. Acrescenta que esses textos bíblicos são uma compilação iniciada durante a monarquia de Josias, rei de Judá, no século VII AEC. Naquela época, esse reino israelita do Sul começou a emergir como uma potência regional, em uma época em que Israel (reino israelita do Norte) tinha caído sob o controle do império assírio.

O objetivo principal dessa obra era criação de uma nação unificada que pudesse basear-se em uma nova religião. O projeto, que marcou o nascimento da ideia monoteísta, era formar um só povo judeu, guiado por um só Deus, governado por um só rei, com uma só capital, Jerusalém, e um só templo, o de Salomão. Em suas obras, que têm marcado as novas gerações da escola de arqueologia bíblica, Finkelstein estabelece uma coerência entre os cinco livros do Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Os séculos nos trouxeram estes episódios relatam a criação do homem, a vida do patriarca Abraão e sua família – fundadora da nação judaica – o êxodo do Egito, a instalação na terra prometida e a época dos Reis. De acordo com Finkelstein, essas histórias foram embelezadas para servir ao projeto do rei Josias de reconciliar os dois reinos israelitas (Israel e Judá) e impor-se contra os grandes impérios regionais: Assíria, Egito e Mesopotâmia. O arqueólogo recebeu LA NACION na Universidade de Tel Aviv.

La Nacion: Durante mais de vinte séculos, os homens creram que Deus tinha ditado as Escrituras a certo número de sábios, profetas e grandes sacerdotes israelitas.

Finkelstein: Assim é. Para as autoridades religiosas, judaicas e cristãs, Moisés era o autor do Pentateuco. Segundo o Deuteronômio, o profeta o escreveu pouco antes de sua morte, no monte Nebo. Os livros de Josué, dos Juízes e de Samuel eram arquivos sagrados, obtidos e conservados pelo profeta Samuel no santuário de Silo, os livros de Reis vinham da pena do profeta Jeremias. Davi era o autor dos Salmos e Salomão, o autor de Provérbios e do Cântico dos cânticos. Entretanto, desde o século XVII, os estudiosos começaram a se perguntar sobre quem tinha escrito a Bíblia. Moisés foi a primeira vítima dos avanços da investigação científica, que levantou muitas contradições. Como é possível – perguntaram os especialistas – que tenha sido o autor do Pentateuco quando o Deuteronômio, o último dos cinco livros, descreve o momento e as circunstâncias de sua própria morte?

La Nacion: Você afirma que o Pentateuco foi escrito em uma idade muito mais recente.

Finkelstein: A arqueologia moderna nos permite assegurar que o núcleo histórico do Pentateuco e da história deuteronômica foi composto durante o século VII antes de Cristo. O Pentateuco foi uma criação da monarquia tardia do reino de Judá, destinada a propagar a ideologia e as necessidades desse reino. Creio que a história deuteronômica foi compilada durante o reino de Josias, a fim de servir de fundamento ideológico às ambições políticas e reformas religiosas particulares.

La Nacion: Segundo a Bíblia, primeiro foi a viagem do patriarca Abraão, da Mesopotâmia a Canaã. O relato bíblico abunda em informações cronológicas precisas.

Finkelstein: É verdade. A Bíblia fornece uma quantidade de informações que deveria permitir saber quando viveram os patriarcas. Nesse relato, a história do começo de Israel se desenvolve em sequências bem ordenadas: os Patriarcas, o Êxodo, a travessia do deserto, a conquista de Canaã, o reino dos Juízes e o estabelecimento da monarquia. Fazendo cálculos, Abraão deveria ter partido para Canaã uns 2100 anos antes de Cristo.

La Nacion: E não é assim?

Finkelstein: Não. Em dois séculos de investigação científica, a busca pelos patriarcas nunca deu resultados positivos. A suposta migração para o Oeste de tribos provenientes da Mesopotâmia, com destino a Canaã, se revelou ilusória. A arqueologia conseguiu provar que nessa época não se produziu nenhum movimento massivo de população. O texto bíblico dá indícios que permitem precisar o momento da composição final do livro dos Patriarcas. Por exemplo, a história dos patriarcas está cheia de camelos. No entanto, a arqueologia revela que o dromedário foi domesticado somente quando acabava o segundo milênio anterior à era cristã, e que começou a ser usado como animal de carga no Oriente Médio muito tempo depois do ano 1000 AEC. A história de José diz que a caravana de camelos transportava “goma tragacanto, bálsamo e láudano”. Essa descrição corresponde ao comércio realizado pelos mercadores árabes sob o controle do império assírio nos séculos VIII e VII AEC. Outro fato anacrônico é a primeira aparição dos filisteus no relato, quando Isaque encontra Abimeleque, rei dos filisteus. Esses filisteus, grupo migratório proveniente do mar Egeu ou da Ásia Menor, se estabeleceram na planície costeira de Canaã a partir de 1200 AEC. Este e outros detalhes mostram que esses textos foram escritos entre os séculos VIII e VII AEC.

La Nacion: O heroísmo de Moisés frente à tirania do faraó, as dez pragas do Egito e o Êxodo massivo de israelitas para Canaã são alguns dos episódios mais dramáticos da Bíblia. Isso também é lenda?

Finkelstein: Segundo a Bíblia, os descendentes do patriarca Jacó permaneceram 430 anos no Egito antes de iniciar o Êxodo para a terra Prometida, guiados por Moisés, a meados do século XV AEC. Outra possibilidade é que essa viagem tenha ocorrido séculos depois. Os textos sagrados afirmam que 600.000 hebreus cruzaram o Mar Vermelho e que erraram durante 40 anos pelo deserto antes de chegarem ao monte Sinai, onde Moisés selou a aliança de seu povo com Deus. No entanto, os arquivos egípcios, que registravam todos os acontecimentos administrativos do reino faraônico, não registraram nenhum rastro de uma presença judaica durante mais de quatro séculos em seu território. Também não existiam, nessas datas, muitos locais mencionados no relato. As cidades de Pitom e Ramsés, que teriam sido construídas pelos hebreus escravos antes de partir, não existiam no século XV AEC. O Êxodo, desde o ponto de vista científico, não resiste a qualquer análise.

La Nacion: Por quê?

Finkelstein: Porque, desde o século XVI AEC, O Egito havia construído em toda a região uma série de fortes militares, perfeitamente administrados e equipados. Nada, desde o litoral oriental do Nilo até o mais distante dos povos de Canaã, escapava ao seu controle. Quase dois milhões de israelitas que tivessem fugido pelo deserto durante 40 anos deveriam ter chamado a atenção dessas tropas. No entanto, nem uma estela da época faz referência a essa gente. Tampouco existiram as grandes batalhas mencionadas nos textos sagrados. A orgulhosa Jericó, cujos muros se desmancharam com o soar das trombetas dos hebreus, não passava de um pobre casario. Tampouco existiam outros lugares célebres, como Bersheba ou Edom. Não havia nenhum rei em Edom para enfrentar os israelitas. Esses locais existiram, mas muito tempo depois do Êxodo, muito depois do surgimento do reino de Judá. Nem sequer há rastros deixados por essa gente em sua peregrinação de 40 anos. Temos sido capazes de encontrar rastros de minúsculos casarios de 40 ou 50 pessoas. A menos que essa multidão nunca tenha parado para dormir, comer ou descansar: não existe o menor indício de sua passagem pelo deserto.

La Nacion: Em resumo, os hebreus nunca conquistaram a Palestina.

Finkelstein: Nunca. Porque já estavam ali. Os primeiros israelitas eram pastores nômadas de Canaã que se instalaram nas regiões montanhosas, no século XII AEC. Ali, umas 250 comunidades muito reduzidas viveram da agricultura, isoladas umas das outras, sem administração nem organização política. Todas as escavações na região exumaram vestígios de povoados com silos para cereais, mas também de currais rudimentares. Isto nos leva a pensar que esses indivíduos haviam sido nômadas que se converteram em agricultores. Mas esta foi a terceira onda de instalação sedentária registrada na região desde 3500 AEC. Esses povoadores passavam alternativamente do sedentarismo ao nomadismo pastoril com muita facilidade.

La Nacion: Por quê?

Finkelstein: Esse tipo de flutuação era muito frequente no Oriente Médio. Os povos autóctones sempre souberam operar uma rápida transição da atividade agrícola à pastoril em função das condições políticas, econômicas ou climáticas. Neste caso, em épocas de nomadismo, esses grupos intercambiavam a carne de suas manadas por cereais com as ricas cidades cananeias do litoral. Mas quando estas eram vítimas de invasões, crises econômicas ou secas, esses pastores se viam forçados a procurar os grãos necessários para sua subsistência e se instalavam para cultivar nas colinas. Esse processo é o oposto do que relata a Bíblia: o surgimento de Israel foi o resultado, não a causa do colapso da cultura Cananeia.

La Nacion: Mas então, se esses primeiros israelitas eram também originários de Canaã, como identificá-los?

Finkelstein: Os povos dispõem de todo tipo de meios para afirmar sua etnicidade: a língua, a religião, a indumentária, os ritos funerários, os tabus alimentares. E neste caso, a cultura material não apresenta nenhum indício revelador quanto a dialetos, ritos religiosos, formas de vestir ou de enterrar os mortos. Mas há um detalhe muito interessante sobre seus costumes alimentares: nunca, em nenhum povoado israelita, foram encontrados ossos de porco. Nessa época, os primeiros israelitas eram o único povo dessa região que não comia porco.

La Nacion: Qual é a razão?

Finkelstein: Não sabemos. Talvez os proto-israelitas tenham deixado de comer porco porque seus adversários o fizessem em profusão e eles queriam ser diferentes. O monoteísmo, os relatos do Êxodo e a aliança estabelecida pelos hebreus com Deus fizeram sua aparição muito mais tarde na história, 500 anos depois. Quando os judeus atuais observam essa proibição, não fazem mais que perpetuar a prática mais antiga da cultura de seu povo verificada pela arqueologia.

La Nacion: No século X AEC, as tribos de Israel formaram uma monarquia unificada – o reino de Judá – sob a égide do rei Davi. Davi e seu filho, Salomão, serviram de modelo às monarquias do Ocidente. Tampouco eles foram o que sempre se acreditou?

Finkelstein: Nem mesmo neste caso a arqueologia tem sido capaz de encontrar provas do império que nos relata a Bíblia: nem nos arquivos egípcios nem no subsolo palestino. Davi, sucessor do primeiro rei, Saul, provavelmente existiu entre 1010 e 970 AEC. Uma única estela encontrada no santuário de Tel Dan, no norte da Palestina, menciona “a casa de Davi”. Mas nada indica que se trate do conquistador que evocam as Escrituras, capaz de derrotar Golias. É improvável que Davi tenha sido capaz de conquistas militares a mais de um dia de marcha de Judá. A Jerusalém de então, escolhida pelo soberano como sua capital, era um pequeno povoado, rodeado de aldeias pouco habitadas. Onde o mais carismático dos reis, teria conseguido recrutar soldados e reunir o armamento necessário para conquistar e conservar um império que se estendia desde o Mar Vermelho, ao Sul, até a Síria, ao Norte? Salomão, construtor do Templo e do palácio de Samaria, provavelmente tampouco tenha sido o personagem glorioso que nos legou a Bíblia.

La Nacion: E de onde saíram seus fabulosos estábulos para 400.000 cavalos, cujos vestígios se encontraram?

Finkelstein: Foram fazendas instaladas no sul do reino de Israel várias décadas mais tarde. Com a morte de Salomão ao redor de 933 AEC, as tribos do norte da Palestina se separaram do reino unificado de Judá e constituíram o reino de Israel. Um reino que, contrariamente ao que afirma a Bíblia, se desenvolveu rápido, econômica e politicamente. Os textos sagrados nos descrevem as tribos do Norte como bandos de fracassados e pusilânimes, inclinados ao pecado e à idolatria. No entanto, a arqueologia nos dá boas razões para crer que, das duas entidades existentes, a meridional (Judá) foi sempre mais pobre, menos povoada, mais rústica e menos influente. Até o dia em que alcançou uma prosperidade espetacular. Isto se produziu depois da queda do reino de Israel, ocupado pelo poderoso império assírio, que não só deportou os israelitas para a Babilônia, como também instalou sua própria gente nessas férteis terras.

La Nacion: Foi, então, durante o reino de Josias em Judá quando surgiu a ideia desse texto que se transformaria em fundamento de nossa civilização ocidental e origem do monoteísmo?

Finkelstein: Até o final do século VII AEC havia em Judá uma efervescência espiritual sem precedentes e uma intensa agitação política. Uma coalizão heterogênea de funcionários da corte seria a responsável pela confecção de uma saga épica composta por uma coleção de relatos históricos, memórias, lendas, contos populares, histórias, profecias e poemas antigos. Essa obra mestra da literatura – metade composição original, metade adaptação de versões anteriores – passou por ajustes e melhoras antes de servir de fundamento espiritual aos descendentes do povo de Judá e a inumeráveis comunidades em todo o mundo.

La Nacion: O núcleo do Pentateuco foi concebido, então, quinze séculos depois do que acreditávamos. Só por razões políticas? Com o fim de unificar os dois reinos israelitas?

Finkelstein: O objetivo foi religioso. Os dirigentes de Jerusalém lançaram um anátema contra a mínima expressão de veneração de divindades estrangeiras, acusadas de ser a origem dos infortúnios que padecia o povo judeu. Colocaram em marcha uma campanha de purificação religiosa, ordenando a destruição dos santuários locais. A partir desse momento, o templo que dominava Jerusalém devia ser reconhecido como único local de culto legítimo pelo conjunto do povo de Israel. O monoteísmo moderno nasceu dessa inovação.

Fonte: La Nacion

Fonte: http://deusesehomens.com.br


Símbolos das religiões do Paganismo contemporâneo

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01 – Rodnovery, Neopaganismo Eslavo (“Mãos de  Deus”)

02 – Neopaganismo Celta (Espiral tripa ou triskele)

03 – Neopaganismo germânico (“Martelo de Thor”)

04 – Dievturi, Neopaganismo letão

05 – Helenismo, Neopaganismo grego

06 - Hetanismo, Neopaganismo armênio (“Arevakhach”)

07 -  Neopaganismo ítalo-romano

08 – Kemetismo, Neopaganismo egípcio (“ankh”, chave da vida, cruz ansata)

09 – Wicca, bruxaria Neopagã (pentagrama or pentáculo)

10 – Neopaganismo Finlandes(“Tursaansydän” coração da morsa)

11 – Neopaganismo húngaro (cruz dupla ou “világfa”, árvore do mundo)

12 – Romuva, Neopaganismo Lituano

13 – Neopaganismo estoniano (“Jumiõis”, Flor centáurea-azul)

14 – Habzismo, Neopaganismo Circassiano/Adyghe (“Cruz de martelo” representa o deus Tha)

15 – Neopaganismo semítico (“hamsa”)

16 – Movimento da Deusa e Wicca (Figura feminina levantando os braços)

Ele que o Abismo Viu. Epopeia de Gilgámesh por Jacyntho Lins Brandão

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Jacyntho_entrevista_fev18

Jacyntho_entrevista_fev18

Reproduzimos aqui, a entrevista de Jacyntho Lins Brandão, sobre seu livro “Ele que o Abismo Viu. Epopeia de Gilgámesh” do site www.suplementopernambuco.com.br 

A Epopeia de Gilgámesh é o poema épico mais antigo conhecido da história e suas versões remontam ao terceiro milênio antes de Cristo, na cultura oriental antiga; dentre elas, a mais completa e clássica é do séc. XIII-XII a.C, escrita em acádio e atribuída a Sin-léqi-unnínni: Ele que o abismo viu. Esse texto pertence a uma tradição de escrita-performance-reescrita, que atravessou mais de mil anos, recontando feitos de Gilgámesh. Até pouco tempo as variantes disponíveis, em línguas diversas, estavam bastante incompletas; porém agora a versão de Sin-léqi-unnínni está quase integral, e foi a partir dela que Jacyntho Lins Brandão fez a primeira tradução completa direto do original para o português, com um aparato impressionante de notas, que apresentam ao leitor não só o universo da obra, mas o mundo oriental antigo que produziu inúmeras peças que sobrevivem e também merecem traduções comentadas.

Jacyntho Lins Brandão é um dos helenistas mais respeitados no Brasil, professor de grego na UFMG desde 1977, sócio fundador da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC), autor de livros fundamentais, como Luciano de Samósata: biografia literária (2015), Em nome da (in)diferença (2014), Antiga musa (2005), Helleniká: introdução ao grego antigo (2005, com Maria Olívia Q. Saraiva e Celina F. Lage), dentre outros. A tradução de Ele que o abismo viu saiu em 2017 pela editora Autêntica. Além da sorte de revisar o texto e as notas, tive o prazer de fazer esta entrevista por e-mail.

Como foi sua aproximação com a língua acádia e com a Epopeia de Gilgámesh

Eu tomei contato mais de perto com a produção mesopotâmica, especificamente a escrita em acádio, em 1985, quando esteve na USP o assiriólogo francês Jean Bottéro, convidado por Haiganuch Sarian, professora de arqueologia grega, para dar um curso breve, de um mês (era a época em que eu estava fazendo o doutorado). Ele apresentou, com base nas traduções que vinha fazendo para o francês, o chamado “poema da criação” (Enuma elish), uma cosmogonia, e o “poema do super-sábio” (Atrahasis), uma antropogonia. As traduções foram publicadas depois, junto com outros textos, no volume Quand les dieux faisaient l’homme. A partir disso comecei a ler outras obras, sempre em tradução, incluindo a chamada Epopeia de Gilgámesh. Quem entra em contato com este poema logo percebe que se trata de algo extraordinário, pelo que tem, antes de tudo, de beleza, mas igualmente por tratar de temas fundamentais da condição humana: sexualidade, mortalidade, urbanidade, heroísmo, amizade e amor.

A produção suméria e acádia sobre Gilgámesh tem várias etapas: os primeiros poemas, em sumério, devem ser de por volta do século 22 a.C., ou seja, da época neossuméria (cinco poemas isolados sobre várias passagens da saga do herói), sendo do século 20 a.C., no período babilônico antigo, a primeira versão do que se poderia considerar a Epopeia de Gilgámesh (cujo nome é Shutur eli sharri, “Proeminente entre os reis” – na tradição semítica, o título das obras é constituído por suas primeiras palavras). Mas a versão clássica do poema, que tem o título de Sha naqba imuru (“Ele que o abismo viu”), data do século 13/12 a. C., sendo que dela conhecemos o nome do autor, o sábio Sin-léqi-unnínni. Essa é a versão que podemos chamar de “clássica”, porque se tornou, até o fim da Antiguidade, a vulgata encontrada em diversos locais. Ela utiliza a tradição anterior, mas expande o poema, dando-lhe uma dimensão sapiencial: Gilgámesh, de simples herói, aparece nela também como um sábio.

Muito bem, em 2003, pela Editora da Universidade de Oxford, saiu uma nova edição crítica, em acádio, do poema de Sin-léqi-unnínni, edição feita pelo assiriólogo inglês Andrew George. A anterior era da década de 1930 e contava com um número menor de manuscritos, o texto era mais fragmentado, os editores e tradutores completando o que faltava com partes da versão paleobabilônica (“Proeminente entre os reis”) e mesmo da tradução para o hitita. Na edição de 2003, Andrew George trabalhou com um número muito maior de manuscritos, ou seja, todos conhecidos até então.

Foi essa a versão do poema que eu quis traduzir, a que se chama Ele que o abismo viu, na qual não incorporei partes de outras versões, porque isso implicaria em produzir uma espécie de “frankenstein” que não existiu em época nenhuma. São duas balizas importantes, portanto, que orientam meu trabalho: ele tem em vista o poema de Sin-léqi-unnínni, na edição crítica de Andrew George. Enquanto eu estava fazendo o trabalho, houve dois acontecimentos importantes: em 2007, Daniel Arnaud, um assiriólogo francês, publicou novas tabuinhas, escavadas por ele em Ugarit (no litoral da Síria), contendo partes do poema, mas principalmente seu início, o que fez com que se pudessem completar lacunas na edição de George, ou seja, hoje temos a sorte de conhecer o proêmio de Ele que o abismo viu de modo completo; e em 2014 houve outro acontecimento, quando se publicaram partes da tabuinha 5, principalmente seu início, de que tínhamos um conhecimento muito fragmentado (essa tabuinha estava num lote de antiguidades que, depois a Guerra do Iraque, foi oferecido ao Museu de Suleimaniyah, no mesmo Iraque, pedindo o vendedor o preço de 700 dólares!). Nos dois casos, voltei – e voltei alegre, é claro – a partes da tradução que já estavam prontas, para completá-la. Isso mostra bem como nosso conhecimento do texto se amplia – o próprio Andrew George tendo expressado, num de seus artigos, a esperança de que um dia possamos tê-lo completo (o cálculo é que nos falta ainda em torno de um terço dos versos).

Foram então todas essas novidades – a nova edição de 2003 e as descobertas publicadas em 2007 e 2014 – que me motivaram a fazer a tradução. Isso envolveu, em primeiro lugar, estudar o acádio (eu sou professor de grego antigo). Para isso, ajudou eu ter estudado hebraico nos anos 1980. Como o acádio é também uma língua semítica, não me ofereceu dificuldades instransponíveis.

Passei por algo similar com a tradução de Safo, para a qual incorporei os fragmentos recentes das últimas décadas, que ainda não tinham entrado em nenhuma edição crítica completa. Parece-me impressionante essa abertura material que a literatura antiga tem, com a possibilidade de publicação de poemas, trechos, obras novas, mesmo com milênios de atraso. O que você acha disso?

Isso é consequência de que o que conservamos da literatura antiga é só uma espécie de arca de Noé, ou seja, uma quantidade pequena de uma produção muito vasta. Assim, há sempre espaço para descobertas, desde as volumosas, como os papiros de Oxirinco, os manuscritos do Mar Morto, os papiros de Herculano, até as mais modestas, mais nem por isso menos importantes, como o papiro de Derveni e os poucos versos de Safo conservados em cartonagem de múmia, descobertos em 2005. Todos esses exemplos são de textos produzidos na própria Antiguidade e conservados por algum acaso, especialmente em lugares em que não chove, como no caso da Palestina e do Egito. Mas há também as descobertas de cópias mais recentes, conservadas em bibliotecas, como os mimos de Herondas e o romance de Cáriton de Afrodísias, Quéreas e Calírroe. O que eu penso que esses acontecimentos têm de mais importante é alertar-nos, não nos deixar esquecer o quanto a tecnologia da escrita é importante em sua materialidade. As tabuinhas de argila da Mesopotâmia revelaram-se mais duráveis, mais resistentes que o papiro e pergaminho em que gregos e romanos escreviam, de tal modo que não temos nada anterior ao século IV a. C., de que data o papiro de Derveni. Já com relação aos sumérios, temos acesso a textos escritos no início do terceiro milênio. Essa é uma reflexão sobre o passado, mas que nos projeta para o futuro: quais as condições para a conservação do que se produz hoje por escrito? Falando de escrita esquecemos em geral que ela não é algo que paira no ar, mas exige um suporte, no nosso caso de hoje o suporte digital, que esperamos seja resistente.

Você pode contar um pouco sobre as especificidades deste desafio tradutório?

Traduzir qualquer texto não é só uma questão de conhecer a língua em que ele se encontra escrito, embora esse seja o ponto de partida indispensável, é claro! Mas um texto traz uma cultura e, no caso de Ele que o abismo viu, uma cultura distante de nós em dois sentidos: em primeiro lugar, por ser um poema oriental, ou seja, desse espaço do globo que nós, ocidentais, costumamos considerar como o lugar da diferença e da barbárie; por outro lado, trata-se de um poema antigo, mais de meio milênio anterior a tudo de mais antigo que recebemos dos gregos e dos hebreus, os quais costumamos considerar o início de nossa cultura “ocidental e cristã”, então, também distante de nós, na medida em que temos a tendência de pensar que tudo que é antigo é primitivo e ultrapassado. Podemos dizer que o impacto que o poema tem no leitor contemporâneo decorre de ele balançar as certezas que nos são transmitidas pelo senso comum sobre nosso espaço e tempo e que são constitutivas da nossa visão de mundo.

Sendo um texto assim, meu primeiro cuidado foi não domesticar o poema. Ele se oferece ao leitor, na tradução, sem facilitações. Isso inclui deixá-lo fragmentado onde é fragmentado, por exemplo. É bom lembrar que, mesmo na Antiguidade, os escribas que o transmitiam lidavam com passagens em que o texto se encontrava quebrado – literalmente com partes em que as tabuinhas de argila estavam quebradas. Tanto que o copista, nestes casos, anotava: “ texto quebrado” ou “quebrado de novo”. Nós usamos essas palavras, escritas em cuneiforme (“heppi” e “heppi eshshu”) para marcar, na tradução, onde há grandes lacunas. Lidar com esses problemas é parte do acesso que temos à literatura antiga, ou seja, os próprios limites do nosso acesso, em vista da preservação das fontes. É, por exemplo, algo equivalente ao que temos da Vênus de Milo: faltar os braços faz parte dela hoje em dia e querer acrescentar os braços ao que temos ficaria extremamente artificial. Com os textos acontece a mesma coisa.

Outro cuidado que eu tive foi não trazer para o texto ideias alienígenas. Vou dar um exemplo: uma expressão temporal que aparece mais de uma vez é “ana dur dar”, em que “duru” significa “para sempre” e “daru” tem o sentido de “eternidade”. Então, a expressão teria o sentido literal de algo como “pela eternidade de para sempre”, e Gilgámesh se pergunta mais de uma vez, diante da morte de seu amigo Enkídu: “E eu, como ele, não deitarei/ E não mais levantarei ana dur dar?” Em inglês, George traduz por “for all eternity”, o que é correto quanto ao sentido, mas perde a aliteração que existe em “ana dur dar”. Joaquín Sanmartín, que tem uma tradução muito boa para o espanhol, traduziu como “pelos séculos dos séculos”, que expressa o que há de iterativo em “ana dur dar”, mas traz para o texto um contexto estranho, pois para quem ouve “pelos séculos dos séculos” só falta acrescentar “amém”! Eu optei por uma solução simples e neutra: “de era em era”. Então, o verso ficou assim: “E não mais levantarei de era em era?” Isso mantém a iteração e aliteração, não traz contextos estranhos para o texto e condiz mais com a marcação temporal praticada pelos mesopotâmios, que não contavam séculos, mas tinham uma consciência muito forte de que o tempo se organizava em eras, a principal dessas marcações sendo a era antediluviana e a era pós-diluviana.

Você usou a metáfora da Vênus de Milo para os fragmentos textuais, recentemente utilizada por Giuliana Ragusa em Lira grega [Hedra] e por mim mesmo em Safo: fragmentos completos [Editora 34]. Gostaria de fazer duas perguntas mais específicas: você não acha que vivemos, como herdeiros do modernismo, uma estética do fragmento que nos permite olhar/ler as ruínas do passado em sua beleza de ruína, numa especificidade histórica? E será que poderíamos pensar em estéticas do fragmento? Digo isso porque creio que eu, você e Ragusa editamos e traduzimos a fragmentariedade de modo diverso, projetamos o fragmento como leitura de modo muito diferente.

Da minha parte, costumo dizer que tenho vocação para arqueólogo, porque gosto justamente de fragmentos, aquela beleza das ruínas que dão o tom dos sítios arqueológicos. Isso constitui, sim, uma estética específica, nem sempre inteiramente compreensível ou acessível. Ouvi uma vez de uma pessoa que havia feito uma viagem à Grécia o comentário jocoso de que nunca tinha visto um povo tão desmazelado, já que não tinha sobrado, da Antiguidade, nada inteiro. Já eu gosto da ruína pelo que ela tem de temporalidade, quer dizer, pelas marcas do tempo que ela carrega e testemunha.

No caso dos fragmentos literários, acho que esse também, num certo sentido, é o charme. No fragmento conservado em argila ou papiro, as marcas do tempo testemunham os acidentes materiais, versos pela metade, palavras soltas etc. Já os fragmentos conservados em citações, que costumam ser a maioria para os autores gregos e latinos, os chamados filósofos pré-socráticos, por exemplo, acrescenta-se à questão tudo que cerca a citação, a estética da citação, que se perde quando se tira o fragmento do contexto em que é citado. Ficam então duas opções: apresentar e interpretar o fragmento tendo em vista o contexto donde foi colhido, ou abstrair do contexto, apresentando-o e interpretando-o em conexão da coleção dos outros fragmentos do autor. São duas opções válidas e justificáveis, que produzem efeitos bastante diferentes, sem dúvida.

O que torna diferente o caso mesopotâmico da Antiguidade grega e latina diz respeito, como já salientei, ao suporte. O fato de que o texto se inscreva em material mais resistente que papiro e pergaminho um acesso menos mediatizado a seus diferentes estados, o fragmentário que ele apresenta tendo essa dimensão brutamente material. O fato de que o escriba assírio anote que o texto de que copia já está quebrado deve servir para lembrar-nos que o escriba grego ou latino deveria enfrentar muitas vezes também todo tipo de quebra, os estados dos textos que nos transmitem ficando devedores dessas vicissitudes.

Como você imagina o impacto de uma tradução de Ele que o abismo viu para a poesia e a narratividade no presente, no Brasil?

É difícil imaginar isso, a publicação sendo tão recente. Eu tive sempre a perspectiva de que este meu trabalho fosse minha principal contribuição para a cultura brasileira, ou seja, não imaginei que o estivesse fazendo na estratosfera, mas aqui e agora e para aqui e agora. Por isso, não se tratou simplesmente de traduzir com fidelidade o texto, mas de compreender e usar os princípios que conhecemos da poesia acádia: as unidades de ritmo, o agrupamento dos versos, os recursos paralelísticos, dentre outros. Por outro lado, resisti à tentação da transcriação, optando por uma tradução que eu concebo, se é preciso dar um nome, como mimética. Meu critério é o texto e, mesmo sabendo que ao traduzir algo sempre se perde dos efeitos, eu quis ficar perto do texto.

Vou dar um exemplo que ilustra isso, que tem relação com transpor para o português parte do efeito do verso acádio. Há um marcador temporal, que aparece em vários pontos do poema, sobretudo na narrativa do dilúvio, que em acádio é “mimmû sheri ina namari”, a referência sendo aos primeiros sinais do raiar do dia. As várias traduções disponíveis vertem o verso por “al primer brillo del alba” (Joaquín Sanmartín), “at the very first light of dawn” (Andrew George), “ao primeiro raiar da aurora” (Ordep Serra) etc. Ora, se o sentido sendo claro, a expressão idiomática é sofisticada e altamente poética: “mimmû” significa “tudo”, “algo”, “nada” e a expressão “mimmû sheri” deve ser entendida como “nada da manhã” ou então como “algo da manhã”, para marcar o primeiríssimo momento da aurora (“sheru” significa “manhã”, “aurora”); o verbo “namaru” tem o sentido de “brilhar”, “amanhecer”, e a expressão “ina namari”, enquanto uma construção impessoal, significa “ao amanhecer”. Fica claro que o verso tem duas unidades rítmicas, ou seja, “mimmû sheri / ina namari”, tendo eu procurado transpor na minha tradução dois aspectos: do ponto de vista lexical e semântico, valorizar as conotações da expressão original; em termos sintáticos, não fazer dela uma construção simples, mantendo seu ritmo: “nem bem manhã, / já alvorece”. Essa preocupação geral com a forma, que, afinal, é o que faz o texto ser poético, mantive em toda a tradução. Saber se minha intenção se realizou de fato caberá aos leitores.

Voltando ao que você me pergunta, considero que as traduções fazem também parte do patrimônio literário de uma língua, no nosso caso o português do Brasil, ou seja, nosso aqui e agora. Espero que minha tradução possa cumprir esse papel, incluindo-se numa tradição poética tão rica quanto a nossa.

Parece mesmo que está cumprindo seu papel, pois ouvi dizer que a primeira tiragem já se esgotou em pouquíssimo tempo. Isso parece indicar que, ao contrário do que tanto se prega em diversos círculos acadêmicos e editoriais, há realmente um grupo significativo de pessoas interessadas pela leitura da antiguidade, seja ela ocidental ou oriental. Você não pensa que esse sucesso imediato pode, para além da própria divulgação da obra e da cultura acádia, também ser um marco para revermos a posição da Antiguidade como um ponto de vitalidade e alteridade fundamentais para o pensamento contemporâneo?

A circulação que o livro está tendo acho que surpreendeu todo mundo, a começar pela editora. Hoje recebi a notícia, da parte deles, os editores, de que o livro já foi convertido para e-book e estará disponível, nesse formato, nas próximas semanas [a obra já está disponível em formato digital no site da editora]. E por aí vai.

Sim, é claro que há hoje um interesse maior pela Antiguidade que há 30 anos atrás, pelo menos em termos do número de pessoas interessadas. Isso tem relação, eu penso, com a ampliação do acesso à cultura. Sempre pensei que a gente desgosta do que desconhece e que conhecimento só pode produzir gosto, já que o mundo é algo de muito atrativo. Assim, garantir acesso ao conhecimento ou à cultura é uma questão básica, de educação e políticas públicas, o que não acontece infelizmente no Brasil, em que a disparidade com relação a isso, condições de poder usufruir de produção cultural, é tão ou mais escandalosa que a econômica.

Eu sempre comentei com meus alunos que estudar a Antiguidade é basicamente esse entrar em contato com o outro, cuja consequência deve ser a perda da mesmice do que nos é próprio. Nós costumamos pensar a alteridade em termos espaciais, os outros sendo os diferentes de nós, mas que se encontram, como nós, aqui e agora, esquecendo-nos de que os antigos, incluindo os nossos antigos, também são outros com relação a nós. No caso dos nossos antigos a relação fica mais complicada, pois temos muito deles, nossa visão de mundo se expande até eles, ao mesmo tempo que eles guardam, diante de nós, inúmeras diferenças. Gosto de pensar que, menos que eles serem nosso passado, o sentido deles está em que nós somos o seu futuro.

Você pode nos contar um pouco sobre os seus projetos atuais?

Eu gostaria de traduzir outros textos acádios, pois constituem um corpus muito extenso e com peças tão impressionantes quanto Ele que o abismo viu. Tenho pronta uma tradução do poema chamado modernamente Descida de Ishtar ao mundo dos mortos, um texto breve, com menos de 200 versos, para o qual tenho de agora escrever os comentários. Como no caso do Gilgámesh, acho que traduções comentadas são muito úteis para o leitor, pois podemos fazer as opções que parecem as melhores na tradução, informando sobre outras possibilidades. Comentário não é nota de pé-de-página, mas a consideração do texto como poesia e sua exploração nesse sentido. Por isso é que, no caso de Ele que o abismo viu, para cada página do poema há cerca de duas de comentários.

Outra coisa que pretendo explorar são as relações entre as tradições médio-orientais e as gregas, algo sobre o que muito se escreveu no século XX, traçando-se paralelos. Queria avançar além dos simples paralelos, pensando isso da perspectiva do compartilhamento dos “lugares comuns” que fazem do Mediterrâneo oriental uma zona de convergência cultural. Isso quer dizer que não penso a questão em termos da influência do Oriente Médio na Grécia, mas do compartilhamento de lugares comuns, entendendo que o lugar comum é aquilo que permite a comunicação e a existência de comunidades culturais. Estou atualmente explorando isso com relação às ideias sobre os mortos e seu mundo. É um projeto que demanda tempo, pois exige lidar com um número grande de dados, organizá-los e interpretá-los. Mas é algo fascinante. No caso dos mortos, seguir como se cria a concepção de que a existência humana não termina na morte, mas supõe dois estados, o de vivo, com princípio e fim, e o de morto, com princípio mas sem fim. Como esse é o nosso lugar comum, não temos consciência de que foi criado num certo momento, por uma certa cultura, não sendo essa ideia própria de todas as culturas (há as que consideram que a existência humana termina com a morte e as que pensam que ela se repete em ciclos de nascimento-morte-nascimento, por exemplo). Mas a concepção de uma existência com dois estados, como descrevi, já está nos textos sumérios, registrando-se nos acádios e em outros médio-orientais (com exceção dos hebreus, que não descrevem algum tipo de existência após a morte, pelo menos nos registros mais antigos), como está também em Homero.

Acontece que os sumérios são um povo que já se sobrepõe a pelo menos outro povo que falava uma língua diferente, convencionalmente chamada de prototigrídio. Então, quando regredimos no tempo, topamos sempre com povos que já são mestiços, sendo de um deles, dos sumérios, que temos o registro mais antigo dessa concepção sobre a morte e os mortos. Isso é o que há de fascinante nessa espécie de arqueologia do imaginário. Constatar como as culturas se relacionam, como ocorrem as miscigenações de todo tipo, criando-se os lugares comuns que ainda hoje compartilhamos.

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A arte da magia, uma entrevista com Alan Moore

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Entrevista de Alan Moore para a revista Pagan Dawn, originalmente em inglês, com tradução de Rafael Arrais, do site http:textosparareflexao.blogspot.com

A lenda dos quadrinhos, Alan Moore, é o autor de diversos títulos memoráveis, tais quais Watchmen, A Liga Extraordinária, V de Vingança e Do Inferno. Ele também é um praticante de magia cerimonial e cofundador do Moon and Serpent Grand Egyptian Theatre of Marvels [O Grande Teatro Egípcio de Maravilhas da Lua e da Serpente]. Alan vê uma conexão íntima entre a magia e a criatividade artística, o que foi explorado na sua série Promethea. Sam Proctor resolveu lhe perguntar mais sobre este assunto…

Sam: Você disse que o seu interesse pela magia foi despertado enquanto pesquisava sobre a história da Maçonaria para compor Do Inferno, e que você anunciou publicamente a sua intenção de se tornar um mago em seu aniversário de 40 anos. Diga-nos mais sobre o que o levou a dar uma guinada tão radical em sua vida.

Alan: Como era de ser esperado, inúmeros fatores entraram na equação para tal decisão. Um deles, que por acaso não teve nenhuma relação com a minha pesquisa sobre a Maçonaria, foi uma linha de diálogo que eu já havia dado ao personagem principal de Do Inferno, afirmando que o lugar em que os deuses indubitavelmente existiam era a mente humana, onde eles eram reais em toda a sua “grandeza e monstruosidade”.

Uma reflexão mais aprofundada das implicações desta linha de diálogo que surgiu casualmente na obra me deixou com aparentemente nenhuma forma de refutar tal afirmação, e assim fui obrigado a reajustar toda a minha racionalidade, que anteriormente vivia num ponto de vista muito estreito.

O território até então virgem e inexplorado da magia me pareceu ser a única área do conhecimento humano que poderia me oferecer alguma forma de tentar resolver tais ideias tão novas e intrigantes. Me autodeclarar um mago, com todo o risco de cair em ridículo e perder minha reputação, me pareceu um primeiro passo necessário para ingressar nesta nova identidade de visão radicalmente estendida, e até hoje mantenho a mesma opinião.

É claro que a coragem para dar este salto potencialmente desastroso nas trevas do intelecto foi grandemente facilitado pelo fato de eu estar num pub celebrando o meu aniversário, apreciando um bom jazz, e consideravelmente bêbado.

Sam: Você acredita que a magia pode nos oferecer uma forma de ver, compreender e nos relacionar com o mundo e com nós mesmos que a ciência e a psicologia não podem?

Alan: Em nosso livro por ser publicado, Moon & Serpent Bumper Book of Magic [autoria de Alan Moore e Steve Moore; eles não são parentes], nós consideramos que a consciência (interior), precedida pela linguagem, precedida pela representação (e a arte), eram todos fenômenos que surgiram mais ou menos no mesmo momento da história humana, e todos eles poderiam ser então percebidos como magia, um termo abrangente que abraçava todos os novos conceitos radicais nascidos do descobrimento do nosso mundo interior.

Isso nos permite dar uma definição para a magia como “um noivado com a consciência, uma busca dos significados dos seus fenômenos e possibilidades” [1]. Nós então prosseguimos para arguir que, originalmente, toda a cultura e todo pensamento humano se encontravam submergidos na visão mágica do mundo, e que com o advento das sociedades urbanas e a ascensão das profissões especializadas a magia foi lentamente dissociada das suas funções sociais.

Primeiramente as religiões organizadas a demoveram de sua profundidade espiritual, e então um crescente surgimento de autores, artesãos e artistas a demoveram de seu papel como fonte principal de visão imaginativa. Logo após, vizires e ministros tomaram o papel do xamã como principal conselheiro político da comunidade. Tudo isso deixou a magia com suas funções restantes, embora ainda vitais e frutíferas, de pesquisa alquímica, cura e investigação do mundo interior, até que a Renascença e o advento da Era da Razão delegaram os dois primeiros para os campos emergentes da ciência e da medicina, e finalmente, em torno de 1910, o terceiro foi capturado pela “nova ciência” de Freud e Jung, a psiquiatria.

Nós sugerimos que a totalidade da cultura na qual hoje residimos é nada menos que o cadáver desmembrado da magia (apesar dele ainda ter, de alguma forma, uma aparente capacidade de se comunicar), e que esse processo indubitavelmente necessário é exemplificado pelo princípio alquímico do solve, ou decomposição.

Nossa tese é a de que hoje se faz necessário o processo complementar de coagula, ou síntese, de forma a completarmos tal fórmula tão essencial. Para este fim, nós propomos que a arte e a magia devem ser intimamente reconectadas para o enorme benefício de ambas, conforme já foi dito em meu ensaio Fossil Angels, e o próximo passo deveria ser aprimorarmos o elo já existente entre as artes e as ciências, incluindo a psiquiatria, que eu já chamei um dia, sem nenhuma intenção de desrespeito, de “ocultismo num jaleco”.

O passo final, mais importante e problemático, seria o de nutrir a conexão entre a ciência e a política, assegurando que as decisões políticas sejam feitas sob a luz do atual conhecimento científico, se valendo de todos os avanços científicos conquistados em, por exemplo, resoluções de conflitos armados, para o aprimoramento da humanidade como um todo.

Para finalmente responder a sua questão, um dos muitos benefícios que a magia oferece é uma visão de mundo plausível e, acredito eu, racional, onde tanto a ciência quanto a psicologia e todos os demais campos já mencionados podem coexistir conectados novamente a antiga ciência da existência, plena de significado, da qual eles um dia emergiram (Paracelso, praticamente o pai de quase todos os procedimentos modernos da medicina, também foi o primeiro a usar o termo “inconsciente”, aproximadamente 400 anos antes da sua subsequente apropriação pela psicologia).

Com a magia, ao menos como nós a definimos, a principal vantagem em termos de relacionamento com o mundo é que ela nos oferece um ponto de vista coerente e sensivelmente integrado para nos relacionarmos com tudo a nossa volta. Da mesma forma, ao contrário de todos os campos e empreendimentos já mencionados, exceto a criatividade artística, a magia é inteiramente centrada nos princípios do êxtase e da transformação, coisas que cremos ser o alicerce das experiências humanas, e que se encontram totalmente deficientes na sociedade contemporânea.

Sam: Você disse um dia que ouviu falar que Einstein mantinha uma cópia de A Doutrina Secreta, de H. P. Blavatsky, aberta em sua escrivaninha. Ele trabalhou de forma bastante imaginativa e já afirmou que alcançou suas teorias primeiramente através da visualização (mental). Por acaso há uma barreira entre a ciência material e a oculta que precisa cair para o benefício da corrente principal da ciência [mainstream science]?

Alan: Einstein nós dá um bom exemplo. Ele afirmava que recebeu a inspiração para o seu trabalho com a relatividade durante uma espécie de sonho lúcido [daydream] onde ele imaginou a si mesmo correndo lado a lado com um faixo de luz. James Watson, que descobriu a molécula do DNA juntamente com Francis Crick, dizia que deduziu a sua estrutura através da lembrança de um sonho com escadas espiraladas.

Sir Isaac Newton foi um alquimista que incluiu o índigo no espectro de cores em acordo com a simpatia alquímica pelo número sete.

Nós poderíamos dizer que quando a ciência e a magia foram primeiramente separadas, cada uma delas perdeu algo vital: a ciência abandonou a sua capacidade de se relatar com qualquer espécie de mundo interior, enquanto a magia de certa forma pareceu haver perdido muito da sua capacidade de discriminação e análise intelectual. Conforme já foi dito, a reintegração dessas áreas divorciadas da cultura humana poderia ser, eu intuo, um imenso ganho para todas as partes envolvidas.

***

[1] Este trecho traz diversas possibilidades de tradução, e eu optei provavelmente pela mais poética e arriscada. No original, “magic as a purposeful engagement with the phenomena and possibilities of consciousness”, temos o termo “engagement” que pode significar “compromisso”, “engajamento”, “noivado”, e até mesmo “batalha”. Portanto, uma tradução mais sóbria desta definição tão essencial para a compreensão do pensamento de Moore seria algo como “magia como um engajamento intencional com o fenômeno e as possibilidades da consciência”.

Sam: Você vê um elo íntimo entre a magia, a imaginação e a criatividade, uma ideia que foi desenvolvida em Promethea. Conte-nos mais sobre essa conexão.

Alan: Como já foi dito, a minha posição é a de que a arte, a linguagem, a consciência e a magia são todos aspectos do mesmo fenômeno. Com a arte e a magia vistas como quase totalmente intercomunicáveis e conectadas, o reino da imaginação se torna crucial para ambas as práticas.

O reino cabalístico lunar da imaginação é chamado Yesod, que é um termo hebraico que significa “Fundação”. Isso sugere que a imaginação é a única fundação sobre a qual nossas funções mentais elevadas estão edificadas e, da mesma forma, por onde podem ser acessadas. A magia, segundo a nossa formulação, parece estar intimamente envolvida com a criatividade e a criação, em quaisquer contextos onde tais termos possam ser usados.

Sam: Promethea já foi descrito como “um passeio cabalístico”, e traz uma empolgante visão geral das ciências ocultas. Ele abre a porta para este reino, e parece convidar as pessoas a aprenderem mais sobre ele. Foi esta a sua intenção?

Alan: A minha intenção original com Promethea, um título em que não perco muito tempo pensando hoje em dia, pois não me pertence, foi criar um modelo de história em quadrinho de super-heróis mais imaginativo e elaborado, usando as antigas heroínas do era da ficção pulp [pulp fiction] como meu ponto de partida.

Em uma ou duas edições, eu comecei a perceber como uma personagem desse tipo poderia evoluir para expressar de forma lúcida muitas das ideias que estavam há algum tempo no centro da minha mente e de todo o meu processo criativo.

Sam: Nos capítulos finais da série episódios inteiros foram usados para explorar cada esfera [sephirah] da Árvore da Vida. É verdade que você os escreveu enquanto se encontrava num estado de consciência alterada por rituais e meditações?

Alan: Eu comecei a explorar as esferas inferiores algum tempo antes de iniciar meu trabalho com Promethea. Minhas investigações se valiam tanto de rituais inventados quanto de drogas psicodélicas.

Após certo ponto em meu “passeio cabalístico”, eu senti a necessidade de experienciar as esferas mais elevadas, de forma a representá-las de forma autêntica para o leitor. Uma delas, Hokhmah, foi alcançada através dos métodos já mencionados, enquanto para as demais eu decidi testar se a meditação intensa focada na escrita criativa seria suficiente para adentrar tais reinos elevados da consciência e do ser.

Me valendo do critério, “se você não pode imaginar a experiência então provavelmente ainda não alcançou a esfera”, eu descobri que realmente poderia investigar todas as esferas superiores, para minha enorme satisfação.

A exceção foi Kether, neste caso eu comi um grande pedaço de haxixe, escrevi as três primeiras páginas da edição e depois praticamente desmaiei.

Sam: Os quadrinhos de Promethea se conectam com o conhecimento esotérico em múltiplas camadas. Para além das palavras e das imagens em si, por exemplo, os episódios que tratam das esferas da Árvore da Vida usam esquemas de cor apropriados para cada um dos reinos visitados. Isso lembra muito o Tarot Ritual da Golden Dawn, que usa as cores das esferas nos elementos simbólicos e no pano de fundo de forma a transmitir bastante informação logo que a carta é observada. O nível de detalhe em Promethea chega a atordoar – tudo isso foi planejado desde o início, ou foi crescendo conforme o título foi sendo escrito?

Alan: Conforme já foi dito, o ímpeto inicial se inclinava muito mais para uma narrativa mais tradicional, e o projeto pareceu evoluir intuitiva e organicamente conforme foi progredindo.

Sobre o assunto dos esquemas de cor cabalísticos, naquela altura eu já havia absorvido a lição de que enquanto os números, joias, plantas, animais, perfumes e divindades eram atributos das diversas esferas, as cores eram basicamente as esferas elas mesmas.

Apesar de na época não estarmos certos de que as várias escalas de cor seriam apropriadas em termos de publicação moderna de quadrinhos, nós decidimos tocar a ideia e, graças ao extraordinário trabalho de Jeremy Cox, formos recompensados com uma bela e envolvente demonstração do poder da atmosfera da decoração cabalística.

Sam: O desenhista, J. H. Williams III, disse que a criação do episódio sobre o Abismo cobrou o seu preço a todos os envolvidos no projeto. Houve outras experiências tão significativas durante o desenvolvimento de Promethea?

Alan: Bem, teve a minha experiência anterior a criação da edição sobre Hokhmah, que ocorreu junto à companhia de Steve Moore numa noite de sexta-feira, em 12 de Abril de 2002, quando estávamos tentando estabelecer se qualquer outra pessoa poderia ver a deusa lunar que ele havia passado cerca de um mês tentando materializar [imaginar], conforme descrevi na minha narrativa psicobiográfica, Unearthing.

O experimento foi não somente um aparente sucesso, como ocorreu no mesmo dia em que uma voz em minha cabeça (estranhamente, minha própria voz, embora dissociada da minha vontade) me disse que eu havia me tornado um mago [Magus], o que, ilusoriamente ou não, eu decidi levar a sério. Eu também recebi uma convicção muito firme de que a edição #32 de Promethea seria a última, e seria construída de alguma forma no formato de um pôster psicodélico.

Após Steve ter ido embora eu escrevi e digitei a edição sobre Hokhmah – foi a #22 ou algo assim – em menos de sete horas de um fluxo característico de energia criativa disforme e espontânea. Ainda não um exemplo de Moorcock em sua melhor forma, mas ainda assim alguma espécie de recorde pessoal.

Desde esse dia a minha vida e as minhas percepções têm sido notadamente diferentes.

Sam: Promethea é a última da longa lista de protagonistas femininas que você criou, desde Halo Jones em 2000AD. O que o atraiu a escrever sobre protagonistas mulheres?

Alan: Não acho que tenha escrito mais histórias com protagonistas femininas do que masculinos. Se parece haver uma preponderância de personagens femininos em minha obra, isso provavelmente nasceu da minha tentativa de abordar a desigualdade entre os gêneros que prevalece em nossa cultura.

Por outro lado, minha série baseada na obra de H. P. Lovecraft, Providence, mal tem quaisquer personagens femininos e, conforme se trata de um trabalho derivado da imaginação de um autor que é notoriamente avesso às mulheres, muitas das que aparecem com o tempo mostram serem monstros apavorantes.

Eu devo destacar que isso se dá por conta da percepção de mundo do Lovecraft, e não da minha.

Sam: No seu ensaio de 2002, Fossil Angels, você sugere que os rituais e a linguagem que circundam a magia conspiraram para manter a maioria das pessoas afastadas. Promethea por acaso foi uma tentativa de romper tais barreiras e despertar as massas para as tradições magísticas?

Alan: Todo o propósito do Moon and Serpent Grand Egyptian Theatre of Marvels (do qual Promethea é claramente uma parte não-oficial) desde o seu nascimento foi o de expressar as ideias da magia da forma mais bela e lúcida possível.

Em nosso Bumper Book of Magic nós vamos além e demandamos que os magos modernos se posicionem ao centro da sociedade, ao invés de se esconderem em suas margens, se engajando na ciência, na arte, na política, na filosofia e nas questões sociais, assim reconectando a magia com a população em geral, conforme ela foi inicialmente elaborada para servir e iluminar.

Sam: Você esteve trabalhando no Moon and Serpent Bumper Book of Magic com Steve Moore. Este trabalho mira apresentar o conhecimento esotérico de uma forma totalmente prática e compreensível. Seria correto dizer que esta obra seria um passo além de onde você parou com Promethea, e qual o estágio do seu desenvolvimento?

Alan: Seria mais preciso dizer que Promethea foi um instrutivo primeiro passo, um Moon and Serpent não-oficial que nos ajudou a moldar nossas ideias para este grimório mais sério e elaborado que nós sempre falamos em produzir um dia.

O ensaio final está concluído, mas ainda há algumas seções do texto que preciso retrabalhar e finalizar, e no momento ainda estamos em busca dos artistas apropriados para cada uma das suas seções. Penso que será lançado, no mínimo, em meados de 2016.

Sam: Quais foram as fontes que mais o ajudaram em sua própria jornada mágica?

Alan: Tudo o que li foi de alguma forma útil para mim, mesmo os dementes que aparecem de vez em quando, que nos dão uma instrução muito útil sobre como não pensar.

Pelo lado positivo, tenho de dizer que a obra de Robert Anton Wilson foi altamente iluminadora, que William Blake e Austin Osman Spare me trouxeram algumas bases inestimáveis e que, acima de tudo, a maior influência sobre minha teoria e prática mágicas foi, seguramente, Steve Moore.

Sam: Em Fossil Angels você alertou sobre a necessidade de uma série de mudanças de comportamento em relação à prática da magia. Você acredita que alguma coisa mudou desde que o seu ensaio foi publicado?

Alan: Usualmente tais ideias levam anos ou décadas para se tornarem visíveis. Eu tenho certeza de que houve mudanças aqui e ali, mas não esperaria ver ainda uma grande reação.

Eu penso que ainda há mais trabalho a ser feito sobre a definição ou redefinição da identidade pública da magia antes de podermos ver um número significante de pessoas tomaram este caminho de forma mais séria.

Sam: Por acaso você se sente relacionado com a tradição bárdica do druidismo e sua conexão com o Awen [inspiração poética]?

Alan: Certamente. A tradição bárdica da magia, onde as sátiras eram justificadamente mais temidas do que maldições, e os compositores eram respeitados como magistas poderosos, e não como músicos sobrevivendo às margens da indústria do entretenimento, é uma tradição que faria muito bem aos ocultistas e escritores que por ventura se interessem em se familiarizar. Você pode matar ou curar com a palavra. Arregace suas mangas e corra atrás deste conhecimento.

Sam: Você vê a magia cerimonial como algo acessível e sem grande complexidade para todos, sejam druidas, pagãos, cristãos, budistas, hindus, ou o que for?

Alan: Bem, se as pessoas estão imersas no que Robert Anton Wilson se referiu como “um túnel de realidade”, e a sua mentalidade religiosa dita que a magia é inexistente, má ou herege, então se relacionar com ela dificilmente será algo acessível ou simples. Eu creio que é melhor abordar a magia com uma mentalidade genuinamente aberta e nenhum “apego aos resultados”. Se a sua mente não está voluntariamente receptiva em sua porta de entrada, então é mais provável que ela seja arrombada pela experiência mágica em si mesma, com consequências possivelmente desastrosas.

Preconceitos religiosos ou racionalistas, creio eu, contribuem para o que William Blake chamou de “algemas forjadas pela mente”, e progredir mais neste assunto poderia se provar antiético.

Sam: Você é um reconhecido defensor de Northampton [cidade natal de Moore]. Seria parte disso uma conexão que você sente com a terra dos seus ancestrais?

Alan: Eu me sinto conectado com os processos históricos, geográficos, sociopolíticos e genéticos que resultaram nisto que eu sou. Da mesma forma, ao permanecer muito tempo num mesmo lugar você adquire uma compreensão mais profunda do seu significado e, por extensão, do significado que aguarda por ser descoberto em qualquer outro lugar do planeta.

E, claro, como destacou Spike Milligan, todos têm de estar em algum lugar.

Sam: Conte-nos mais sobre as performances musicais e teatrais das quais participou junto ao Moon and Serpent Grand Egyptian Theatre of Marvels. Tendo passado a maior parte de sua carreira nos teclados e máquinas de escrever, qual a importância desse tipo de performance ao vivo para você?

Alan: Na época das apresentações, eu sentia que era aquilo que nós fomos instruídos a fazer. Eu sempre gostei de performances, claro, dentro de certos limites. É uma experiência muito diferente de trabalhar nos teclados, como você disse.

No entanto, ultimamente eu tenho recusado muitas aparições ao vivo e apresentações. É que simplesmente não sinto que é o tipo de coisa em que devo me focar no momento.

Sam: Finalmente, você tem algum conselho para magos e artistas inexperientes que estejam nos lendo?

Alan: Sim. Lembre-se de que quando eu digo que a magia e a arte são equivalentes, você não deve deduzir que estou dizendo que a magia é somente arte; que estou de alguma forma tentando reduzir a magia ao associa-la com algo que todos creem ser algo comum e factível.

O que estou dizendo, em realidade, é que toda arte é e sempre foi tão somente magia, que todas as extraordinárias recompensas que dizem que podemos conquistar através da magia também podem ser alcançadas pela arte, e todos os horrores, pesadelos e perigos comumente associados à prática da magia também ameaçam o artista ou o escritor.

Aborde o seu trabalho com tanta reverência, compaixão, inteligência e precaução quanto você teria ao encontrar com um suposto anjo, deus ou demônio. A arte pode lhe matar ou lhe levar a loucura tanto quanto a invocação dos 72 Espíritos Infernais da Goétia de Salomão, e se você duvida disso, considere todos os artistas, poetas e atores que se suicidaram ou arruinaram suas vidas – aposto que a lista não será curta.

A arte e a magia são provavelmente as realizações mais preciosas da humanidade, elas são o nosso contato mais íntimo com a eternidade. Leve-as a sério; leve a sério a si mesmo, e lembre-se de que a sua arte e a sua magia são tão grandiosas, tão plenas de poder, tão perigosas e belas quanto você pode imaginá-las em seu ser.

Não as busque na esperança de obter dinheiro, poder, fama e status, ou como uma modinha, mas pelo que elas são em si mesmas. É este o significado da devoção, e se for praticada da forma certa, ela pode lhe transformar, assim como o mundo em que vive.

Oh, e encontre algum deus ou equivalente, ou melhor, deixe que um deus lhe encontre. Eu sugeriria um deus com algum cabelo estiloso, mas isso pode ser somente meu gosto pessoal. Boa sorte.

Comentário final
Devido a se tratar de uma entrevista já demasiado longa para ser publicada na íntegra aqui no blog, eu (Rafael Arrais) optei por ignorar algumas perguntas que, no fim das contas, são quase um “lugar comum” nas raríssimas entrevistas de Moore. Para quem tiver curiosidade, tais perguntas tratavam de Glycon (o controverso deus serpente da Antiguidade, o “deus escolhido” por Moore), das adaptações de suas obras para o cinema (em suma, ele continua achando tudo horrível e não quer tomar parte), de Grant Morrison (solenemente ignorado na resposta: “não creio que seja nem um escritor nem um mago”) e Austin Osman Spare (que Moore tem em grande crédito: “um mago quase perfeito”).

Sobre o “enegrecimento” de Aquiles e Zeus na série: Troy: Fall of a City

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Texto traduzido por Karina Oliveira Bezerra, do site: http://www.radiotimes.com

Por que a participação de David Gyasi e Hakeem Kae-Kazim como Aquiles e Zeus se mostraram tão controversos?

Imagine isso: para celebrar cem anos do nascimento de Nelson Mandela em julho deste ano, a BBC encomendou  um filme biográfico de oito partes para celebrar a vida e os tempos do amado revolucionário anti-apartheid. E então escolhe o ator branco Colin Firth.

Isso não está acontecendo. No entanto, você pode ver o seu equivalente em Troy: Fall of a City – bem, pelo menos de acordo com comentários furiosos do Twitter repreendendo a BBC por lançar atores negros para interpretar Achilles e Zeus.

“Ridículo [que] Zeus, Aquiles e Patriculus [são] todos descendentes de africanos”, dizia uma mensagem. “Imagine a reação se eles [tivessem] feito um documento sobre Nelson Mandela e escalado Colin Firth”. Outra mensagem do Twitter respondendo ao astro David Gyasi disse que ele fazia parte da “reescrita racista da cultura e mitologia gregas”.

Enquanto isso, em um vídeo postado no YouTube, um usuário alegou que a BBC estava “enegrecendo” o mito grego para “privar os europeus de sua cultura e história para torná-los mais suscetíveis aos seus objetivos globalistas”.

Este é apenas um pouco dos comentários em torno do drama da BBC após a estréia de David Gyasi e Hakeem Kae-Kazim.

Por que as pessoas estão tão irritadas com a decisão da BBC? Existe alguma base para a conspiração do “enegrecimento”?

Em suma: absolutamente não. Conversamos com Tim Whitmarsh, professor de cultura grega na Universidade de Cambridge, para responder a quaisquer perguntas que você possa ter sobre a etnia de Troia- começando com a maior…

Alguns gregos antigos eram negros?

“Nossa melhor estimativa é que os gregos seriam um espectro de cores de cabelo e tipos de pele na antiguidade. Eu não acho que haja qualquer razão para duvidar que eles eram do tipo mediterrâneo na pele (mais claro que alguns e mais escuros do que outros europeus), com uma boa quantidade de inter-mixagem ”, diz Whitmarsh.

Não só os gregos históricos não seriam uniformemente pálidos, mas o mundo deles também abrigava os “etíopes”, um termo vago para os norte-africanos de pele escura. Eles são mencionados em Aethiopis, a história depois da Ilíada de Homero (os poemas épicos recontando a batalha de Tróia), onde Memnon da Etiópia se junta aos combates.

Mas aqui está a questão: a questão de saber se os “negros” viviam na Grécia Antiga é em si mesma falha. O mundo grego – que eles viam como um disco circular rodeado por um fluxo constante de oceano – era muito mais “fluido” que o nosso.

A 1900 reconstruction of the world map by Hecataeus of Miletus (550–475 BC), Getty
Uma reconstrução de 1900 do mapa do mundo por Hecateu de Mileto (550-475 aC)

“Havia muitas viagens naquele período – as pessoas estavam se mudando do Egito para a Grécia, de leste para oeste. Era um mundo sem fronteiras, sem estados nacionais. Tudo estava interligado ”, diz Whitmarsh.

Esse fluxo era étnico e também geográfico, de acordo com Whitmarsh: “Os gregos não dividiram o mundo em preto e branco. Eles não se viam nesses termos. Todas as nossas categorias – preto e branco, por exemplo – são formadas por um conjunto muito moderno de circunstâncias históricas ”.

Whitmarsh não está sozinho neste argumento. Veja o que a Dra. Rachel Mairs, Professora Associada de Estudos Clássicos e do Oriente Próximo da Universidade de Reading, disse quando colocamos a pergunta a ela: “Estou muito feliz que a BBC tenha colocado um elenco mais diversificado. Categorias raciais modernas nem sempre são úteis para olhar o mundo antigo, mas certamente havia pessoas que hoje podemos considerar como “negras” e “brancas” no Mediterrâneo antigo, e muitas variações de cor e identidade entre elas.

WARNING: Embargoed for publication until 00:00:01 on 13/02/2018 - Programme Name: Troy - Fall of a City - TX: n/a - Episode: Troy - Fall of a City generics (No. n/a) - Picture Shows: Hecuba (FRANCES O’CONNOR), Priam (DAVID THRELFALL), Paris (LOUIS HUNTER), Helen (BELLA DAYNE), Andromache (CHLOE PIRRIE), Hector (TOM WESTON-JONES) - (C) Wild Mercury Productions - Photographer: Graham BartholomewBBC, TL

Em Troy: Fall of a City, esse espectro de cores de pele não é realmente retratado. De Helena de Troia de Bella Dayne à Menelaus de Jonas Armstrong, a maioria do elenco é de pele pálida.

“Nós definitivamente não sabemos como seriam os gregos antigos, mas com certeza eles não se pareceriam com os atores ‘brancos’ que normalmente vemos”, diz Whitmarsh. “E essa é a questão real: qualquer um que diga que é inautêntico colocar Aquiles como preto precisa explicar por que é autêntico usar um ator australiano [Louis Hunter, que interpreta Paris] falando em inglês para representar um herói grego antigo. Isso parece, para mim, outra forma poderosa de apropriação e uma representação igualmente equivocada ”.

Mas Homero não diz que Aquiles é branco na Ilíada?

Não exatamente. Na Ilíada, Homer descreve Aquiles como tendo cabelo loiro – e isso é apenas uma tradução aproximada. O termo real que ele usa, xanthē, pode significar “dourado” ou uma variedade de palavras – “termos de cores gregas são muito estranhos e não são bem mapeados nos nossos”, diz Whitmarsh.

David Gyasi as Achilles in Troy: Fall of a City

David Gyasi como Aquiles em Troy: Fall of a City

Traduções difíceis à parte, o trabalho de Homero não nos dá a história completa de Troia. A Ilíada cobre apenas alguns dias nas últimas semanas da guerra e a Odisseia lida com as conseqüências dos combates.

A fonte definitiva da batalha? Não existe. Se você quer contar a história, precisa confiar em fragmentos de poemas, histórias orais ou pinturas em vasos – o mito é maleável.

“Os poemas de Homero são apenas uma versão e os próprios gregos entenderam que a história poderia mudar”, explica Whitmarsh. “Nunca houve uma recontagem autêntica da Ilíada e da Odisseia – eles sempre foram textos fluidos. Eles não são projetados para serem gravados e não é blasfêmia mudá-los.

“Todo o caminho através da antiguidade, as pessoas o atualizaram, mudaram o ângulo e trouxeram pessoas que não estavam no original de Homer. Por exemplo, os romanos se interessaram pela história porque achavam que eram descendentes dos troianos. E em sua versão, [spoilers à frente], os troianos vencem a guerra em vez de perder.”

WARNING: Embargoed for publication until 00:00:01 on 13/02/2018 - Programme Name: Troy - Fall of a City - TX: n/a - Episode: Troy - Fall of a City generics (No. n/a) - Picture Shows: Odysseus (JOSEPH MAWLE) - (C) Wild Mercury Productions - Photographer: Graham BartholomewBBC, TL

Joseph Mawle como Odisseu em Troy: Fall of a City

Mesmo se você ignorar a natureza mutável do mito e ainda achar que seria impreciso para Gyasi interpretar Aquiles, então que tal: em um ponto Homero descreve Odisseu – interpretado por Joseph Mawle em Fall of a City e Sean Bean no filme Troia de 2004  – como de pele escura.

“Na Odisseia, Odisseu é dito ser de pele negra e de cabelo crespo – em um ponto nos é dito que Atena o faz bonito, restaurando sua cor natural, a pele negra [ver Odisseia 16.175]”, diz Whitmarsh.

“Os leitores modernos pensarão: ‘Ele é negro ou não?’ É uma pergunta interessante, mas provavelmente é  errada. Homero não está tentando colocar  Odisseu em uma categoria preta ou branca. Não é uma coisa de raça. Ele não está dizendo que Ulisses está em um grupo de pessoas que estão todas unidas por uma cor de pele ”.

Assim como o cabelo “loiro” de Aquiles, é difícil para os leitores modernos entender exatamente o que Homero quis dizer com a pele “negra” de Odisseu. No entanto, embora alguns espectadores tenham argumentado rapidamente que um ator negro nunca poderia interpretar um Aquiles loiro, nada foi dito sobre um ator branco interpretando um Odisseu de “pele negra”. No mês anterior ao lançamento de Fall of a City, houve vários tweets e comentários do YouTube expressando indignação pelo elenco de Gyasi. Odisseu? Nem uma única pessoa levantou a questão.

E sobre  Zeus?

WARNING: Embargoed for publication until 00:00:01 on 13/02/2018 - Programme Name: Troy - Fall of a City - TX: n/a - Episode: Troy - Fall of a City episode 1 (No. 1) - Picture Shows: Zeus (HAKEEM KAE-KAZIM) - (C) Wild Mercury Productions - Photographer: Patrick ToselliBBC, TL

Hakeem Kae-Kazim como Zeus (BBC)

Zeus, rei dos deuses, é … bem … um deus. “E a coisa sobre os deuses”, explica Whitmarsh, “é que quando eles se revelam às pessoas, eles têm que assumir uma forma diferente”.

Essa forma poderia ser qualquer coisa: um cisne, um touro, uma águia, uma chuva de ouro, ou mesmo a do ator Hakeem Kae-Kazim, como visto em Fall of a City.

Então, por que a série não poderia retratar os deuses em sua forma “verdadeira”? Ligeiramente problemático: Zeus é um raio. E, como Semele – uma das poucas personagens da mitologia grega a testemunhar essa forma – descobriu, não é muito amigável: “Ela foi imediatamente consumida pelas chamas e foi incinerada”, diz Whitmarsh.

Como Whitmarsh diz: “Perguntar se um raio é um raio branco ou um raio preto pode estar levando isso longe demais.”

Por que os gregos são brancos na arte então?

Por algumas razões. Em primeiro lugar, as estátuas de mármore grego “brancas” que enchem nossos museus foram originalmente pintadas de cores diferentes. A tinta não sobreviveu ao teste do tempo: o mármore sim. (este site que você está lendo, o Cliografia, foi o responsável por popularizar, em maio de 2013, esse conhecimento sobre o colorido da Grécia e Roma, veja aqui).

O segundo motivo? Isso é muito mais interessante: é a mesma razão que pode explicar por que Jesus tende a ser um europeu nas mentes ocidentais, e por que Cleópatra foi interpretada por Elizabeth Taylor e Aquiles por Brad Pitt.

“As pessoas tendem a gostar do passado para parecer uma imagem espelhada de si mesmas”, diz Whitmarsh. “Desde os séculos XVIII e XIX em diante houve um ‘branqueamento’ dos gregos e romanos – uma apropriação pelas potências europeias. Por exemplo, os alemães no século XIX estavam convencidos de que os gregos eram na verdade alemães que vagaram pela península. ”

Quanto ao público britânico e americano, “o comércio transatlântico de escravos tornou as coisas em preto e branco como categorias em que vemos as pessoas”, argumenta Whitmarsh. “Os gregos tinham um conceito de pessoas com cores de pele diferentes, mas não colocavam negros de um lado e brancos de outro”.

O comércio de escravos traçou uma linha entre escravagistas e escravos, negros e brancos. E para ter certeza de que eles estavam do lado “certo” dessa linha divisória, os europeus começaram a se ver como “mais brancos”. Isso também significava retratar os gregos – percebidos como os ancestrais da civilização europeia moderna – como brancos também.

Para colocar de outra forma, vemos o mundo através de certas lentes. E isso não é necessariamente uma coisa ruim: eles ajudam a focar e dar sentido a tudo. Mas ocasionalmente precisamos encontrar algo que nos faça perceber que há outro modo de ver.”Pelo menos a representação de Aquiles e Zeus como ‘negros’ vai abalar um pouco as pessoas”, diz Whitmarsh. “Há valor em interromper a narrativa dessa maneira e nos fazer pensar novamente em como as pessoas se pareceriam.”

Mulheres geriam coisas no antigo Peru, argumenta um novo estudo

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peru

“Há uma interpretação discriminatória dos pesquisadores sobre as mulheres no Peru antigo”, que “obscurece o poder dessas mulheres”, diz a historiadora Maritza Villavicencio.

Texto de Roberto Cortijo, do site https://mg.co.za/ traduzido por Karina Oliveira Bezerra

As mulheres no Peru antigo, longe de serem marginalizadas e invisíveis, eram decisoras  políticas e econômicas, de acordo com um novo estudo que desafia muitos aspectos tradicionais da história do país.

A historiadora Maritza Villavicencio apresenta as descobertas que contrariam as anteriores hipóteses que as mulheres de alto escalão no Peru pré-colombiano eram meramente “sacerdotisas” em Mujer, poder y alimentacion en el antiguo Peru (Mulher, poder e alimentação no antigo Peru).

Em vez disso, ela afirma, eles eram monarcas.

O livro, publicado pela Universidade San Martin de Porres, é o resultado de 10 anos de pesquisa.

“As mulheres eram invisíveis na história, e o que meu livro faz é propor a restauração da memória da vida real dessas mulheres. É por isso que isso é mais do que apenas uma alegação “, disse Villavicencio à AFP.

No livro Villavicencio argumenta que as mulheres exerceram o poder político em suas comunidades em diferentes áreas do Peru pré-hispânico.

“As mulheres foram classificadas como sacerdotisas para reduzir seu status – não como uma pessoa que tivesse poder de participar das atividades políticas, econômicas e sociais de seus povos, capaz de decidir e fazer alianças com os governantes”, disse ela.

Reconstruction of the Lady of Chornancap. (Fotos e Imágenes del Perú)

Reconstrução de senhora de Chornancap. (Fotos e Imágenes del Perú )

“Há uma interpretação discriminatória dos pesquisadores sobre as mulheres no Peru antigo”, que “obscurece o poder dessas mulheres”, diz ela.

Quebrando a história “centrada no homem”

A primeira múmia de uma mulher de alto status foi descoberta no norte do Peru em 1992, em um sítio arqueológico em San Jose del Moro, lar do povo do período tardio Sika que lá viveu entre os séculos XII e XIV.

A figura há muito era considerada uma alta sacerdotisa, embora ela tenha sido enterrada usando as roupas de uma governante, junto com os restos mortais de oito mulheres da elite e um toucado. A partir de 2013, ela começou a ser chamada de Senora (Senhora) de Chornancap, disse a historiadora.

Em 1987, arqueólogos descobriram o que veio a ser conhecido como o Senhor de Sipán, perto da cidade moderna de Trujillo.

“Ninguém o chamava de ‘sacerdote’. Todo mundo o chamava de grande senhor, o monarca Moche, e um museu foi construído para ele”, disse Villavicencio.

Reconstruction of the ‘Lady of Cao’, a Moche ruler. (Manuel González Olaechea/CC BY SA 3.0)

Reconstrução da Senhora de Cao, (Manuel González Olaechea/CC BY SA 3.0 )

Outro achado, da Senhora de Cao, que governou no século IV durante a cultura Moche, também foi originalmente rotulada de sacerdotisa, apesar de ter sido enterrada com um cetro semelhante ao encontrado no túmulo do Senhor de Sipan.

Depois de um estudo mais aprofundado, a Senhora de Cao foi considerada uma governante, e hoje ela tem um museu em sua homenagem.

“Há uma visão tendenciosa quando se trata de mulheres, uma visão centrada no homem que coloca estes no centro de tudo na história do Peru”, disse Villavicencio.

Os livros tradicionais da história peruana disseram que as mulheres estavam ausentes quando decisões governamentais foram tomadas, mas sua pesquisa mostra o contrário, disse ela.

Tatuagens de serpente

Villavicencio disse que a linhagem é o principal critério para assumir o poder.

Havia também quatro áreas nas quais o poder era atribuído aos indivíduos: milagres, reprodução, fabricação de têxteis e fornecimento de alimentos.

O “poder das mulheres de curar, de invocar o clima através do conhecimento, de mostrar o caminho da vida e da morte, tornou-as líderes”, afirmou.

Um símbolo importante foi a tatuagem. “Por exemplo, a Senhora do Cao tinha serpentes tatuadas em seu braço, o que significava que ela era capaz de evocar a água dos rios e possivelmente prever o clima.”

Tattoos on the arm of the Lady of Cao. (Mujeres Aborigenes: Mayas y Mochicas)

Tattoos no braço da Senhora de Cao. (Mujeres Aborigenes: Mayas y Mochicas)

A senhora com o cabelo comprido” é uma das múmias mais significativas da Huaca Huallamarca, ela era uma tecelã, uma ocupação da elite em sua cultura e viveu por volta de 900 dC. Seu cabelo mede dois metros e dez centímetros, e tinha uma tatuagem de ave marinha.

Há também santuários nos quais os restos de mulheres da elite foram descobertos, como em um local no bairro de Lima, em Miraflores, chamado Pucllana, ou em um sítio próximo em San Isidro.

O sítio de San Isidro, Huallamarca, em 1958 rendeu restos funerários de cerca de 100 pessoas, 73 das quais eram mulheres de elite, entre elas a Dama de los Cabellos Largos. Os restos enterrados de homens também foram encontrados, mas eram de nível inferior.

Arqueólogos também descobriram muitas evidências da fabricação de têxteis. Villavicencio disse que acredita-se que os mantos de tecidos conferiam poder às mulheres no antigo Peru.

Foto de la momia de Huallamarca con cabello muy largo

Livro Espiritualidades, transdisciplinaridade e diálogo 2

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capalivroadeliacerto

capalivroadeliacerto

Com mais de quatrocentas páginas, este é o segundo volume da coletânea “Espiritualidades, transdisciplinaridade e diálogo”, uma série de e-books aonde o nosso Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife vai compartilhando os seus estudos e pesquisas na área do diálogo inter-religioso.

Estas são as temáticas do livro:

Transdisciplinaridade e diálogo inter-religioso no Recife.

Novos movimentos religiosos: reinventando o velho sagrado
- Uma breve história do reconstrucionismo Pagão báltico. Por Karina Oliveira Bezerra
- Afoxé: a espiritualidade expressa em dança e música.

Diálogos trans-religiosos: outras tecnologias, novas espiritualidades? -Transdisciplinaridade, ciberpsicologia e jogos digitais: o sagrado em diálogo.
- A igreja católica e a Internet.

Diálogos entre religiões: história e geografia
- Religiões abraâmicas, semelhanças e diferenças.
- Geografia da religião, (des)encontros entre espaços sagrados
- O processo da transmutação entre as religiões)

Transformações religiosas no brasil: para além do censo
- Tendências do campo religioso brasileiro.
- O fenômeno pós-pentecostal no Brasil.
- Espiritismo e sua dinâmica no Brasil.  Por Karina Oliveira Bezerra

Direitos humanos e espiritualidades: interfaces.
- Espiritualidades, Direitos Humanos e suas interfaces.
- Maracatu estudantil Rainha Adelaide.
- Direitos Humanos e diversidade religiosa.

A fé do povo: exercícios de religião comparada.
- Devoções do Juazeiro, entre as romarias e o turismo, Ibiapina: o advogado, o missionário e o padre-mestre.
- Religião do fogo e das festas.
- Da evangelização do popular à evangelização pelo popular.

O sagrado dos artistas: entre simbólico e diabólico.
- Arte e religião em Roberto Van der Ploeg.
- Ciranda do Arco-íris: confluências entre beleza e fé na arte de Adélia Carvalho.

Dom Helder, mística e diálogo com os outros.

Baixe o livro integralmente por aqui:
http://www.unicap.br/…/1-E-book-Espiritualidades-transdisci…

Pagãos e Evangélicos no Conviver: o encontro entre as religiões.

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Em sua nova fase, o Fórum do Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife pretende desenvolver uma série de encontros e documentários sobre o “Conviver: por dentro das religiões”.

Em cada evento, alguns membros de uma religião passam um dia convivendo, comendo junto e celebrando ou observando a celebração de uma religião estranha. Buscando-se, assim, tematizar as possibilidades e dificuldades de encontro entre pessoas de crenças bem diferentes, ensaiando a hospitalidade e o acolhimento entre e além das crenças, captando os estranhamentos e as surpresas, detectando os desencontros e algum encontro, conversando com sinceridade sobre os sentimentos diante de pessoas diferentes e dos seus ritos. Como a minha fé julga aquela gente e a sua religiosidade? Talvez se fale umas coisas no começo do dia e outras no final, para melhor ou para pior… Tudo pode acontecer!

A título experimental, promovemos a visita de um evangélico ao 6º Dia do Orgulho Pagão no Recife, em 2017. O cristianismo tem um histórico de combate e perseguição às tradições pagãs e indígenas: o que será que aconteceu no Dia?! Desse encontro compartilhamos o documentário piloto a seguir:

O 7º Dia do Orgulho Pagão será dia 30 de setembro de 2018, veja o cataz e compareça! Ele é organizado por mim.

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Entrevista sobre bruxas para a TV JC

Dia da Reforma na Alemanha: 31 de outubro.

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Ontem, dia 31 de outubro, foi feriado regional aqui em Hamburgo. Não foi por conta da festa comercial do Halloween, nem da Véspera do Dia de Todos os Santos (All Hallows’ Eve) católica, nem do Samhain Pagão.

O feriado se chama “Reformationstag”, ou seja, Dia da Reforma. Comemora o início da reforma protestante, mediante a controversa afixação das 95 teses contra as indulgências, em 31 de outubro de 1517. Não existem provas sobre o dia, e sobre a afixação, mas não há dúvida que o monge agostiniano e professor da Universidade de Wittenberg, Martim Lutero (1483-1546), “propôs tais teses para um debate acadêmico e eclesiástico, como era comum à época, e que estas teses se espalharam muito rapidamente” (VON SINNER, 2019) .1

A comemoração é realizada há anos nos estados de Brandemburgo, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Saxônia, Saxônia-Anhalt e Turíngia. Porém, excepcionalmente, em 2017, por ocasião do 500º aniversário das teses de Martinho Lutero, um regulamento especial foi criado em todos os estados da Alemanha para celebrar essa data nacionalmente. É interessante mencionar que a proposta de comemoração no referido ano, foi diferente das acirradas disputas do passado. A Federação Luterana Mundial propôs “um dia para promover a tolerância entre as religiões, confissões e visões de mundo”. 2

Em 2018, o feriado foi adotado como permanente por mais quatro estados alemães: Bremen, Hamburgo, Baixa Saxônia e Schleswig-Holstein. Ou seja, agora é feriado regional no norte, leste (com exceção de Berlim) e em um estado do centro. No total são nove estados, dos dezesseis que existem na Alemanha. No estado de Baden- Württemberg, que fica no sul, no Dia da Reforma geralmente não tem aulas nas escolas. E em alguns outros estados federais, os alunos protestantes devem ser dispensados do ensino se quiserem participar do culto. 3

Nos estados do sul, Baden-Württemberg, e Baviera, e nos estados do oeste, Renânia do Norte-Vestfália, Renânia-Palatinado, e Sarre, existe um feriado hoje, dia 01 de novembro; se comemora o Dia de Todos os Santos (Allerheiligen). 4

1 https://www.academia.edu/40221488/Sobre_a_excomunh%C3%A3o_de_Lutero_e_sua_poss%C3%ADvel_revoga%C3%A7%C3%A3oo
2http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/584209-o-dia-da-reforma-protestante-sera-feriado-na-alemanha
3https://www.deutschland.de
4https://www.expatica.com/de/about/culture-history/public-holidays-in-germany-and-important-german-holidays-2018-105411/





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