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Xereca Satânik – A Festa

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No dia 28 de maio de 2014, quinta-feira, aconteceu o Seminário Corpo e Resistência e – 2° Seminário de INVESTIGAÇÃO & CRIAÇÃO do Grupo de Pesquisas/CNPq Cultura e Cidade Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF), na unidade de Rio das Ostras,Rio de Janeiro. Poderia ter sido um seminário que passasse despercebido como muitos outros, no entanto, a escolha da atividade cultural de encerramento do seminário, fez com que ele chamasse atenção das mídias sociais e imprensa. Diante das fotos e do título do evento “Xereca Satânik – A Festa” e de denúncias moralistas, a polícia federal abriu um inquérito, como informa o G1.xereca2

“As imagens mostram mulheres mascaradas e nuas. Em uma delas, a genitália de uma mulher estaria sendo costurada. Em outras fotos pessoas aparecem num suposto ritual de magia negra, inclusive, com uso de um crânio humano. Um estudante da instituição, que pediu para não ser identificado, contou ao G1 que as bebidas alcoólicas usadas na festa ficaram armazenadas dentro do novo anexo da UFF.

A festa ocorreu ao lado do prédio novo chamado multiuso. O diretor do pólo permitiu o armazenamento de bebidas dentro da universidade. O uso de drogas é praticamente liberado. Precisamos de uma intervenção urgente’, dissxereca3e.

Carlos Eduardo Giglio estava na festa e afirma que tudo não passou de uma apresentação feita por artistas profissionais contratados para fazer parte de um seminário com o tema: corpo e resistência, que tinha o objetivo de chocar os espectadores. Ele também negou o uso de drogas e a realização de orgia entre os alunos.”

 

 

 

 

O chefe do departamento em que o evento foi promovido, Daniel Caetano, esclareceu tudo em seu facebook:

“Após um dia de apresentação de seminários e muitas discussões (testemunhei isso, vi a sala lotada), os alunos promoveram uma performance, realizada por um coletivo que se dispôs a vir de MG apenas para isso. É um coletivo que está habituado a fazer performances como a que aconteceu, feitas para chocar a sensibilidade das pessoas e fazê-las pensar sobre seus próprios limites (infelizmente não pude estar presente – era minha intenção, mas tive que resolver problemas da exibição do filme que fiz, que estreou no dia seguinte). A performance foi realizada num espaço anexo ao do Campus, na área arborizada do prédio Multiuso. Esse prédio ainda nem sequer foi inaugurado oficialmente, ninguém passa por lá, ali só foram os que quiseram saber do que se tratava a tal “Xereca satânica”.

Infelizmente, há pessoas que acreditam que o mundo deve ser moldado à sua imagem e semelhança, sem permitir qualquer espécie de desvio do padrão ou mesmo qualquer espécie de afronta à sua sensibilidade confortável, conformista e preguiçosa. A costura de partes do corpo, inclusive da região genital, não é novidade para qualquer pessoa que tenha lido mais de um parágrafo sobre arte contemporânea posterior aos anos 1970. Sugiro a quem quiser saber mais sobre o assunto que pesquise os trabalhos de pessoas como Marina Abramovic e Lydia Lunch. A performance tinha como um dos objetivos denunciar a constante violência contra mulheres na cidade de Rio das Ostras, onde as ocorrências de estupros estão entre as maiores do país.

O caso é que foram feitas e divulgadas fotos do evento – o que deu a ele uma dimensão política e social que vai muito além dos muros do Pólo, tornando-se tema de blogs sensacionalistas e da imprensa marrom. Estando atualmente na função de chefe do departamento em que esse evento foi promovido, afirmo para quem for necessário que damos apoio total aos promotores do evento, realizado dentro de uma perspectiva acadêmica, a partir de discussões ocorridas nas aulas de uma disciplina. É coisa séria e deve ser respeitada.

Enfim, não vamos aceitar baixaria. A universidade pública é um espaço de estudo e conhecimento que não deve ser censurada por causa de informações deturpadas em blogs e jornais. Pondo os pingos nos is: a artista que realizou a performance estava em plena posse dos seus sentidos e o fez porque quis – não foi a primeira vez; nenhum aluno ou qualquer outra pessoa foi constrangido a fazer nada; nenhum ser humano tem o direito de dizer à artista o que ela pode ou não pode fazer com seu corpo; qualquer tentativa de intimidar o curso, os alunos, os professores ou os participantes do evento será por nós considerado um gesto de censura e assim será denunciado – conforme a constituição brasileira nos garante plena liberdade de expressão; e qualquer pessoa em cargo público que porventura se posicionar contra a performance será por nós inquirida acerca de suas atitudes prévias contra os estupros em Rio das Ostras.

E, finalmente, embora não tenham sido feitos “rituais satânicos” e o título do evento fosse essencialmente provocativo (ao contrário do que o jornalismo marrom afirmou), precisamos dizer que não haverá de nossa parte qualquer censura a atos do gênero. A universidade pública é LAICA, como todo o estado brasileiro. Todos os representantes públicos devem defender o laicismo – caso contrário, cometem o crime de prevaricação. A laicidade assegura a qualquer manifestação religiosa o mesmo grau de respeitabilidade: sejam missas católicas, evangélicas, judaicas, budistas ou satânicas.

Como a internet é o reino dos boatos e as notícias já estão correndo, me parece oportuno tornar esses fatos claros para os representantes eleitos da universidade (como o reitor Roberto Salles ou o futuro reitor, já eleito, Sidney Mello) e para o prefeito da cidade, Alcebiades Sabino – que, serenos e inteligentes, certamente não se deixarão levar por boatos de maus jornalistas ou blogueiros irresponsáveis.

Afinal de contas, lá no Puro precisamos conviver com muitos problemas – alguns bem barra-pesada, como o problema da violência local (estupros e assaltos), outros mais crônicos e típicos de universidades públicas (equipamentos deteriorados, falta de conexão à internet num Pólo do interior, eventuais faltas de água e energia elétrica, falta de salas etc etc etc). Mas não esperem de nós que aceitemos conviver com censura ou com conivência a estupros e violências contra mulheres.”

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Em debates no facebook sobre a agressividade da performance, discute-se sobre os limites da arte e os preconceitos morais:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O http://blogueirasfeministas.com/ em solidariedade com as pessoas que protagonizaram a performance, publicaram o Manifesto em Solidariedade às Xerecas Satânicas de autoria coletiva que está circulando como apoio nas redes sociais:

“Xereca Satânica é arte, Xereca Satânica é a liberdade de nossos corpos. Xereca Satânica é a expressão ousada de uma vida limitada.

Todos os dias costuram nossa buceta, nosso cu e nossa piroca, costuram com linhas invisíveis de machismo, de moralismo, de valores conservadores. Todos os dias violam nossos corpos, mutilam nossas expressões despadronizadas, todos os dias querem que nossas xerecas sejam santificadas. Não! Nossa xereca é profana, nosso corpo é uma expressão efêmera de nós mesmos.

Costuramos xerecas, arreganhamos nossos cus, mordemos mamilos, degustamos todas as pirocas. Nós nos devoramos num ritual antropofágico e depois vomitamos. Vomitamos as construções sociais caretas e tudo que nos ensinaram como certo, somos a desconstrução do mundo perfeito e do amor sagrado. Costuramos xerecas porque essa vida já está toda cagada.

As xerecas já sangram biologicamente, isso não nos basta, nós queremos fazê-la sangrar socialmente. As xerecas são satânicas porque elas precisam ser des-santificadas, o diabo precisa deixar de ser demonizado e o mundo precisa ser menos homogêneo. Não acreditamos nem em deus, nem no diabo. Quem nos guia somos nós. Se falamos em diabo, é apenas porque queremos ser antagônicos a deus. Ah! E nunca se esqueçam: satânico não é sinônimo de satanismo.

Todos os valores que vos ensinaram nas escolas e nas igrejas, nós viemos ao mundo para profaná-los, para manchá-los de sangue. Nós queremos chocar vossas cabeças com nosso modo agressivo e marginal de existir, foi assim que vocês nos geraram nesse mundo extremamente desigual. Somos criações poeticamente pervertidas e obras santificadamente degeneradas.

Costuramos bucetas, costuramos cus, costuramos pirocas, acima de tudo costuramos todas as formas de expressão que nos dizem ser corretas. Usamos e apoiamos a utilização dos corpos, porque vivemos numa sociedade que a estética corporal é superior a vida. Nosso corpo não é santo, nosso corpo irá apodrecer assim que a vida se exaurir.

Sem mais, lamentamos informar a todos, que continuaremos a produzir e construir formas antagônicas de valores e sociabilidade num mundo que caminha pela via da robotização das expressões do humano. Pedimos desculpas se incomodamos, mas somos humanos, demasiadamente humanos.

Texto produzido em solidariedade às pessoas que estão sendo vítimas de todo o tipo de conservadorismo após realizarem um evento performático em Rio das Ostras.”


Quase 800 esqueletos de crianças foram encontrados em convento da Irlanda

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Fonte:  O Globo

DUBLIN — A descoberta inicial foi em 1975, mas a polêmica esperou quase quatro décadas para estourar. Uma chocada Irlanda viu-se ontem envolvida no mais novo escândalo do tratamento indigno que jovens mulheres consideradas desviantes pela sociedade receberam no país católico conservador durante boa parte do século XX: uma historiadora descobriu agora que quase 800 esqueletos encontrados há 39 anos numa fossa séptica ao lado de um antigo convento da cidade de Tuam eram de crianças. O convento abrigou jovens mães solteiras — a maioria internada à força pelas famílias — entre 1925 e 1961. Anteriormente pensava-se que os restos mortais eram de vítimas da fome que assolou o país em meados do século XIX e que matou centenas de milhares de pessoas.

— Alguém havia mencionado a existência de um cemitério para recém-nascidos, mas o que encontrei é muito mais que isso — declarou a historiadora Catherine Corless.

A reação da sociedade foi imediata. O parente de uma criança que nasceu na instituição entrou na Justiça para saber o que aconteceu lá. Segundo os registros do convento — que foi demolido para dar lugar a um conjunto habitacional, mas teve o local dos esqueletos preservado — as crianças morreram de desnutrição, doenças e maus-tratos. Todas tinham idade de poucos dias até 8 anos.

Igreja e autoridades pedem inquérito

O secretário de Estado de Educação, Ciaran Cannon, pediu que se abra uma investigação, e o Gabinete vai abordar o tema. “Muitas das revelações são profundamente perturbadoras e uma lembrança impactante de um passado obscuro na Irlanda em que nossos filhos não eram amados como deveriam”, complementou Charlie Flanagan, ministro da Infância e Juventude.

O arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin, também se juntou ao coro dos que pedem uma investigação, deixando, no entanto, a porta aberta a outras soluções.

— Se um inquérito público não for feito sobre os temas importantes pertinentes às casas para mães e filhos, então é importante que um projeto de História Social seja realizado para termos um quadro acurado desses estabelecimentos na História de nosso país — disse ele.

Ao investigar os arquivos do convento, no Oeste da Irlanda, a historiadora descobriu que 796 crianças foram enterrados sem caixão ou lápide. Ela descobriu a extensão da vala comum quando pediu os registros de mortes de crianças. Os recém-nascidos teriam sido enterrados de maneira secreta pelas freiras. De acordo com Catherine Corless, a taxa de mortalidade para crianças no convento era quatro a cinco vezes maior que o da população em geral.

A descoberta recorda outro escândalo que também envolveu mães solteiras. Entre 1922 e 1996, mais de dez mil jovens trabalharam de maneira gratuita em lavanderias exploradas comercialmente por religiosas católicas na Irlanda. As internas conhecidas como as “Irmãs Madalena”, eram jovens solteiras grávidas ou que haviam demonstrado um comportamento considerado imoral no país fortemente católico.

Para mais informações: http://news.msn.com

Noiva é criticada por prender bebê na cauda do vestido, nos EUA

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Fonte: http://noticias.uol.com.br

Uma noiva da cidade norte-americana de Jackson (Estado do Tennessee) recebeu várias críticas em sua página no Facebook após fazer algo, digamos, inusitado em sua cerimônia de casamento. Shona Carter-Brooks levou sua filha bebê, de um mês de idade, para a igreja, só que presa à cauda do vestido.

De acordo com informações do site “Buzzfeed” e do jornal britânico “Daily Mail”, depois dos comentários negativos postados contra ela na internet, Carter-Brooks se defendeu, afirmando que a criança estava “acordada e em segurança” e “coberta por Cristo”.

“As pessoas sempre vão ter algo negativo a dizer”, publicou a noiva. “Nós fazemos o que queremos, quando queremos, enquanto Jesus está ao nosso lado, tudo deu certo”, afirmou na rede social.

O casal teria oficializado a união no último dia 12 de maio.

As críticas à “inovação” na cerimônia foram de “sem classe” a “incrivelmente perigoso”, com muitas pessoas dizendo que a criança poderia ter sofrido algum tipo de queimadura ou machucado por ter sido arrastada sobre o tapete que cobria o chão.

“Me desculpe, mas se eu tivesse visto aquilo eu teria levantado do meu lugar e teria pego aquele bebê. Aquilo é realmente estúpido”, disse uma pessoa na internet.

A fotografia que mostra os noivos após o “sim” com a menina deitada na parte do vestido que se arrasta pelo chão não está mais na página de Carter-Brooks no Facebook, e só ficaram os comentários de apoio à ela e ao marido.

James Randi, o caçador de paranormais

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por Cláudia de Castro Lima da super.abril.com.br

O cético James Randi, 76 anos, canadense radicado nos Estados Unidos, ganha a vida desmascarando, planeta afora, tudo o que acredita ser engodo, incluindo supostos médiuns e santos que choram sangue. Ex-mágico, ele usa seu conhecimento para revelar os truques que existem por trás de fenômenos tidos como inexplicáveis. Sua intenção é mostrar para as pessoas que elas estão sendo enganadas. Randi considera a paranormalidade uma “pseudociência”. Escreveu nove livros para propagar o “conhecimento científico” e já fez palestras em universidades renomadas, como Harvard, Yale, Princeton e Oxford.

Sua carreira de “caçador de paranormais” deslanchou nos anos 70, quando desmascarou o israelense Uri Geller, o homem que conquistara fama internacional por dobrar colheres e consertar relógios com o “poder da mente”. Ao vivo na TV, Randi reproduziu os truques de Geller, demonstrando que tudo não passava de ilusionismo. Em 1996, já então conhecido como “O Incrível Randi”, o ex-mágico criou a James Randi Educational Foundation e, por meio dela, lançou o “Desafio de 1 Milhão de Dólares”. Esse é o valor do prêmio que oferece a quem provar possuir qualquer poder paranormal ou sobrenatural – até hoje, ninguém chegou perto de levar essa bolada.

Em 2002, Randi desafiou o brasileiro Thomaz Green Morton, que diz verter perfume das mãos e “energizar” e curar pessoas. Randi ofereceu 1 milhão de dólares para Morton demonstrar suas habilidades sob condições controladas. Morton aceitou o desafio, mas nunca apareceu para provar seus poderes. “É um charlatão de primeira grandeza”, afirma Randi. Na entrevista a seguir, que concedeu de seu escritório em Fort Lauderdale, na Flórida, Randi lançou um desafio para outro brasileiro em evidência no exterior: o médium João de Deus.

Por que o senhor afirma que a paranormalidade não passa de uma “pseudociência”?

Porque é algo que apenas aparentemente é científico. Ela usa os termos, as expressões e até o processo de pensamento da ciência real. Mas não é ciência porque não é passível de teste, porque não há formas de ser provada. Toda boa ciência pode ser testada. Assim, pode-se provar que ela está errada, quando realmente estiver.

Se fenômenos paranormais não existem, por que tanta gente acredita neles?

É a vontade delas, na maior parte das vezes. Elas querem que esses fenômenos sejam verdade. Por isso, são suscetíveis a acreditar neles. Se aparece alguém que alega ser paranormal ou médium e dá um motivo extra para essas pessoas acreditarem no fenômeno, aí elas mergulham na mentira. Infelizmente, as coisas são assim. Digo para as pessoas: se vocês acham que tal fenômeno é verdadeiro, me dêem as evidências e eu vou checar. Por isso ofereço 1 milhão de dólares. Minha atitude é bem clara.

O senhor acredita em intuição?

Sim, mas o poder da intuição está baseado em fatos, não no sobrenatural. Ela é resultado de nossos instintos e está permanentemente ligada em nosso cérebro, não se desliga nunca. Temos a intuição de evitar lugares altos e barulhos fortes demais. Não precisamos aprender essas coisas. Simplesmente nascemos com elas.

O senhor já desmascarou algum brasileiro?

Ah, sim. O Thomaz Green Morton, que é um charlatão de primeira grandeza. Ele ficava dizendo que tinha os mais estranhos poderes, mas, quando o negócio era provar, ele não falava absolutamente mais nada. Oferecemos o prêmio de 1 milhão de dólares e ele fez o maior estardalhaço, mas não fez nada para provar seus poderes.

A rede de televisão ABC transmitiu em fevereiro um especial sobre o médium brasileiro João de Deus (leia mais sobre ele na página 48). O senhor assistiu?

A ABC fez um programa longo com ele, numa série chamada Primetime Live. Eles me entrevistaram, fiquei um tempão em frente às câmeras, mas não usaram quase nada, provavelmente porque não ouviram de mim o que queriam. Eles queriam que eu falasse coisas positivas sobre João de Deus, e eu não disse. Suas demonstrações de mediunidade são truques muito velhos. Os mágicos têm feito isso por muito, muito tempo.

Que tipos de truques João de Deus utiliza?

Ele usa truques psicológicos e também alguns físicos. Usa instrumento de metal e o enfia no nariz das pes-soas. Esse tipo de truque era feito na Índia. O objeto entra numa determinada cavidade muito estreita que há no nariz que não causa dano algum. Não tem nenhum mistério. Qualquer um pode fazer isso. Mas as pessoas ficam impressionadas quando vêem a performance. Há outros “fenômenos” que chamam a atenção da mídia, como cortar a pele das pessoas sem causar dor. Mas ele corta a pele em locais pouco ou nada sensíveis à dor. De qualquer forma, meu “Desafio de 1 Milhão de Dólares” está aberto para ele.

O senhor afirma que os fenômenos ditos paranormais causam danos às pessoas. Como assim?

Eles provocam danos psicológicos, financeiros e emocionais. As pessoas que aceitam e acreditam nessas coisas acabam dependendo delas. E, assim, dependem de coisas que não são reais. Eles causam danos às pessoas à medida que elas acabam se afastando do mundo real. E isso é muito perigoso.

Quantas pessoas se inscreveram até o momento para o “Desafio de 1 Milhão de Dólares”?

Até agora, candidataram-se 301 pessoas no total. Mas nenhuma delas passou sequer nos testes preliminares. E olha que o teste preliminar é muito mais fácil do que o teste final.

Como funciona um teste preliminar?

Nele, a pessoa tem apenas de mostrar o que ela diz que pode fazer. Se você vier ao meu escritório e afirmar que é capaz de voar com seus próprios braços, vou, então, levá-la até a janela e lhe pedir que faça uma demonstração. É simples assim. A pessoa nos diz o que pode fazer e sob quais circunstâncias. Mas, na hora de mostrar, ninguém mostrou até hoje.

O senhor já teve contato com algum suposto paranormal que o tenha feito pensar: “Esse cara é bom”?

Nunca. Até hoje não conheci ninguém que tenha me impressionado. Odeio ter de dizer isso, mas é verdade. Gostaria de poder falar: “Oh, esse cara quase me pegou”. Mas já andei pelo mundo todo e vi de tudo. Tenho 76 anos hoje e acho que já vi tudo o que as pessoas podem me oferecer nesse sentido.

Muitos alegam que os fenômenos ditos paranormais acontecem apenas de forma involuntária, independentemente da vontade da pessoa. Isso não impede que eles sejam testados de forma controlada, com hora marcada, num laboratório?

Tudo o que posso dizer é que, se for assim, nós simplesmente não podemos testá-los. E, portanto, não são científicos. Se os fenômenos são espontâneos, como poderemos fotografá-los, se eles acontecem independentemente da vontade? O que você tem de entender é que coisas espontâneas acontecem com as pessoas a todo momento. Elas têm sonhos, por exemplo, de que algo vai acontecer e às vezes acontece mesmo, do jeito que elas sonharam. Mas quantos milhares e milhares de sonhos essas pessoas tiveram antes e que não aconteceram? As pessoas têm de perceber que coincidências irão acontecer na vida delas o tempo todo e isso nada tem de paranormal.

O senhor disse algumas vezes que a maioria das pessoas que alegam ter poderes paranormais não é charlatã. Elas realmente acreditam ter os poderes que dizem ter. Essas pessoas também representam um perigo para a sociedade?

Claro que sim. Embora não tenham a intenção, essas pessoas estão propagando a mentira. Qualquer falsa informação é perigosa. E muita gente tem uma falsa impressão sobre o mundo.

O senhor é 100% cético ou admite, ao menos em teoria, que podem existir fenômenos paranormais, ou fenômenos que a ciência não pode explicar?

São duas coisas diferentes: o inexplicável e o não explicado. Por exemplo: eu não posso explicar a Sophia Loren. Ela está muitíssimo bem naquela idade. Não sei como consegue. Mas isso não quer dizer que o fenômeno não possa ser explicado.

Afinal, o senhor quer provar para todos que o sobrenatural existe ou que não existe?

Sobrenatural é algo que não conta com uma explicação na natureza. Há muitas coisas não explicadas que podemos observar. Mas insisto neste ponto: isso não quer dizer que elas sejam inexplicáveis. Acredito no que é explicável. Há muitos mistérios em nossa vida e eles não a tornam sobrenatural.

Que mistérios existem na vida?

Há muitos mistérios na vida. Por exemplo, de onde vem a fonte de sal no oceano é apenas um deles. Nós não sabemos de muitas outras coisas. Aliás, a ciência compreende apenas uma pequena parte do universo. Mas a ciência cresce a cada dia. Estamos a cada dia descobrindo coisas novas. E é nosso dever aceitar as coisas que a ciência explica.

Assista a seguir o trailer de um documentário que será lançado sobre sua vida

Líderes evangélicos saem em defesa de Israel e criticam Dilma

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por João Fellet, da BBC Brasil em Brasília

A condenação do governo Dilma Rousseff à ação militar israelense em Gaza gerou forte reação contrária de líderes evangélicos brasileiros, expondo os crescentes laços entre igrejas protestantes e Israel.

A mobilização evangélica teve início em 23 de julho, quando o governo federal divulgou uma nota condenando os ataques israelenses em Gaza e convocando o embaixador brasileiro em Tel Aviv para consultas.

No dia seguinte, cerca de 80 pessoas – em sua maioria evangélicos – foram ao Ministério de Relações Exteriores protestar contra a decisão.

Uma das organizadoras do ato, a pastora Jane Silva – que preside a Associação Cristã de Homens e Mulheres de Negócios e a Comunidade Brasil-Israel – diz que líderes evangélicos de vários Estados e de diferentes igrejas compareceram à manifestação.

Com o apoio do deputado federal Lincoln Portela (PR-MG), um dos principais nomes da bancada evangélica no Congresso, Silva marcou uma audiência no Itamaraty para expressar a insatisfação do grupo. Eles foram recebidos pelo embaixador Paulo Cordeiro, subsecretário-geral do órgão para África e Oriente Médio.

“Ficamos ofendidos e magoados com a postura do governo brasileiro, que para nós não condiz com a posição da população cristã brasileira em relação ao conflito”, diz a pastora à BBC Brasil. Não há dados, no entanto, que confirmem a avaliação da pastora.

“Quando o governo fala mal de Israel, fala mal de nosso Jesus. E Israel tem o direito de se defender e de existir.” “Israel é palco da história bíblica e está muito claro para nós que o Hamas é um grupo terrorista que quer destruí-lo”, acrescentou.

Além dos laços religiosos com os locais sagrados de Israel, líderes evangélicos citam em defesa do país argumentos semelhantes aos que são usados pelo governo israelense como, por exemplo, culpar o que chamam de estratégia de usar ‘escudos humanos’ pelas mais de mil mortes entre palestinos.

Até agora, mais de 1.600 mil palestinos morreram, entre eles integrantes do Hamas, mas também bebês, mulheres e crianças. Do lado israelense, morreram 67, três civis.

Eles dizem temer, ainda, que a deterioração das relações diplomáticas afete o fluxo de peregrinos brasileiros para a Terra Santa.

Segundo Silva, os ataques de Israel são uma resposta legítima aos foguetes do Hamas, grupo que controla Gaza.

O grupo entregou ao embaixador um manifesto em que critica o governo brasileiro por, entre outros pontos, ter condenado os ataques de Israel mas não ter censurado as ações do Hamas.

“Nós amamos o povo palestino e temos orado pelas mães palestinas, os idosos, crianças, mas não aprovamos o terrorismo.”

Após deixar o Itamaraty, o grupo foi recebido na embaixada de Israel. Também participaram do protesto alguns membros da comunidade judaica de Brasília.

“Quando o governo fala mal de Israel, fala mal de nosso Jesus. E Israel tem o direito de se defender e de existir” pastora Jane Silva

Presente no ato, a psicóloga judia Kelita Cohen diz que o apoio dos evangélicos “foi mais uma ação política do que de devoção religiosa”. “As comunidades cristãs partilham com a comunidade judaica da opinião de que a atitude do governo brasileiro não foi coerente.”

Passagem bíblica

No Amazonas, houve outro protesto em defesa de Israel organizado por evangélicos – este, liderado pelo apóstolo René Terra-Nova, fundador do Ministério Internacional da Restauração. Segundo organizadores, a manifestação reuniu 30 mil pessoas.

E em seu programa de TV no último sábado, o pastor Silas Malafaia, principal líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, também tratou do tema.

Ao se referir à posição do governo brasileiro quanto aos ataques israelenses, Malafaia citou uma passagem bíblica segundo a qual “a nação que amaldiçoa Israel também é amaldiçoada”.

Dizendo precisar “dar algumas dicas (sobre o conflito) para o povo de Deus”, ele afirmou no programa que os atos de Israel são “a reação de um estado soberano sendo atacado por terroristas”.

Na semana passada, a pomposa inauguração em São Paulo do Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus, também deu mostras da crescente aproximação entre grupos evangélicos brasileiros e Israel.

No caso da Universal, a aproximação também se dá com o Judaísmo: na cerimônia, bispos da Universal vestiam quipá e talit, acessórios tradicionais judaicos, e o hino de Israel foi executado. Do lado de fora do templo, foram hasteadas as bandeiras da Universal, do Brasil e de Israel.

A BBC Brasil perguntou à Universal qual sua posição em relação às ações israelenses em Gaza, mas não obteve resposta.

‘Soft power’ religioso

O crescente alinhamento entre líderes evangélicos e Israel não é fenômeno exclusivo do Brasil.

Nos Estados Unidos, país que abriga a maior população protestante do mundo, os Sionistas Cristãos – como são conhecidos os evangélicos pró-Israel – exercem importante influência política.

Para estreitar os laços com o grupo, o governo israelense estimula visitas de grupos evangélicos à Terra Santa.

Em 2013, uma reportagem do Christian Science Monitor, uma das principais publicações mundiais sobre religiões, descreveu os bastidores de um evento anual organizado pelo governo israelense para homenagear líderes protestantes.

No encontro, o prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, disse aos presentes: “Vocês aqui são o melhor ataque e a melhor defesa que poderíamos ter (…). Aproveitem a cidade de Jerusalém (…) e voltem para casa como fortes embaixadores do Estado de Israel e da cidade de Jerusalém”.

A reportagem diz que, após se consolidar nos Estados Unidos, o movimento evangélico pró-Israel agora ganha força em países emergentes com crescente população protestante, como Brasil e Nigéria.

Peregrinações em risco

Para a pastora Jane Silva, caso o Brasil atenda grupos que pedem o rompimento das relações diplomáticas com Israel, os maiores prejudicados seriam fiéis brasileiros.

“O governo estaria punindo os próprios brasileiros”, diz a pastora.

Segundo ela, muitos brasileiros visitam a Terra Santa todos os anos.

“Só lá podemos ver o túmulo onde Jesus foi sepultado, onde ressuscitou, caminhar pelas ruas pavimentadas de milagres. Quando voltamos, logo começamos a programar a próxima visita.”

Fonte: http://www.bbc.co.uk

 

A caixa de Pandora: as transformações de um símbolo mítico

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Sinopse

Publicada originalmente em 1955, esta obra-prima de erudição debruça-se sobre as variações do mito de Pandora nas artes plásticas e na literatura, acompanhando as transformações da figura mitológica que é indissociável de seu ato dramático: a abertura do vaso e a liberação dos males do universo.
Valendo-se de materiais heterogêneos – pinturas, gravuras, esculturas, logotipos editoriais, emblemas, poemas e peças teatrais – os autores procuram decifrar os sentidos diversos que o símbolo adquiriu ao longo do tempo. Originada na Grécia Antiga e relativamente esquecida pelos clássicos latinos e pela tradição medieval, a imagem ressurgiu no Renascimento, sobretudo em solo francês, migrando daí para o resto da Europa.
No curso desses trajetos, ela se associa a Eva, à alegoria da Esperança, ao corvo e a Psiqué. Dentre todas as representações destaca-se a de Erasmo de Rotterdam, que no século XVI articula a imagem da mulher ao objeto proibido.

Combinando pesquisa histórica e faro interpretativo apurado, Dora e Erwin Panofsky compõem uma interpretação que conjuga com maestria exame estilístico e perspectiva comparada. Nos termos de Leopoldo Waizbort:

“É esse interesse pela dimensão cultural, por um lado, e pelas condicionantes antropológicas, por outro, [...] que fundamenta uma história social da arte”.

Trecho

“Nenhum mito nos é mais familiar que o de Pandora, mas talvez nenhum outro tenha sido tão mal compreendido. Pandora é a primeira mulher, a maldade em forma de beleza, ou ‘belo mal’; ela abre a caixa proibida, de onde saem todos os males que a humanidade haveria de herdar; somente a Esperança permaneceu. A caixa de Pandora se tornou uma imagem proverbial, e o mais extraordinário é que Pandora jamais possuiu caixa alguma.”

Essa afirmação de Jane Harrison, feita há mais de cinquenta anos, continua tão válida hoje quanto ontem. No entanto, alguns aspectos relacionados com o mito de Pandora ainda exigem uma análise mais profunda. Por que Pandora se tornou famosa graças a um atributo que nem era uma caixa nem lhe pertencia realmente? Como se explica que, ao contrário de tantos outros personagens mitológicos, ela não apareça na arte medieval e só reapareça – melhor dizendo, renasça – em território francês e não na Itália? E por que, a despeito da enorme quantidade de livros e ensaios dedicados a demonstrar tanto sua importância na religião, na arte e na literatura gregas quanto seu significado na obra de Goethe que leva seu nome, persiste uma lacuna sobre o que se passou com o mito no interregno desses dois momentos da história da arte?

Numa tentativa de responder a essas perguntas, não nos estenderemos em questões controversas como se Pandora foi originalmente uma divindade da terra (e, nesse caso, seu nome deve ser interpretado como “a que tudo doa” e não como “a que é dotada de tudo”); nem se ela abriu seu vaso proibido imitando as filhas de Cécrops, que imprudentemente destamparam a cesta que continha o pequeno Erictônio; nem se pithoigía (abertura do recipiente) reflete um ritual ligado ao festival de Antestéria, equivalente grego do Halloween. Tampouco tentaremos dissipar a obscuridade que cerca o locus classicus, a famosa versão de Hesíodo da história de Pandora no livro Os trabalhos e os dias (complementada por uma passagem mais curta da Teogonia), que tem desafiado a criatividade dos intérpretes há mais de mil anos. Tendemos a pensar, como Schopenhauer e um bom número de estudiosos modernos, que a fábula de Bábrio, na qual o homem como tal (ánthropos) assume o lugar de Pandora e o vaso contém coisas boas em vez de coisas ruins, reflete melhor o sentido original do mito que a versão imposta à posteridade por Hesíodo. Mas temos de reconhecer que essa não é uma questão resolvível pelos historiadores da arte.

Começaremos, então, com um breve resumo das afirmações factuais sobre Pandora encontradas na literatura grega que nos parecem mais relevantes.

Primeiro, Pandora era a imagem de uma bela mulher, formada de terra e água, seja por Prometeu, o criador de todos os homens (de acordo com o que parece ser a tradição mais antiga), seja por Hefesto, instigado por um Zeus vingativo (de acordo com Hesíodo e com os seguidores de sua versão).

Segundo, essa imagem foi dotada de alma por Atena ou pelo próprio Prometeu – graças ao fogo roubado do céu -, e aperfeiçoada por todos os outros deuses, cada um dos quais lhe concedeu um dom apropriado (daí seu nome “Pandora”). E como os dons ofertados por Afrodite e Hermes eram mais nefastos que benéficos, o produto final se revelou um kalòn kakón, um “belo mal”.

Terceiro, Pandora foi transportada para a terra por Hermes e aceita como esposa por Epimeteu, irmão de Prometeu, apesar das advertências deste último. Dessa maneira, Pandora tornou-se mãe de todas as mulheres.

Quarto,enquanto vivia com Epimeteu, ela trouxe ao mundo o vício e a doença ao abrir um vaso fatal cujo conteúdo, à exceção da Esperança, no mesmo instante escapou e se dispersou no ar. De acordo com Hesíodo e a quase totalidade dos autores, o vaso continha originalmente todos os males; de acordo com Bábrio e um escritor menos renomado, Macedônio, o Cônsul, o recipiente continha todos os bens, mas jamais se disse, até onde sabemos, que nele estivesse uma combinação equilibrada do bem e do mal.

Quinto, esse recipiente é invariavelmente designado como um píthos (dolium em latim), um enorme vaso de barro usado para guardar vinho, azeite e outras provisões, com frequência descrito como grande o suficiente para servir de sepultura ou, mais tarde, de abrigo para os vivos. A tampa que impede a fuga da Esperança é descrita como “grande”.

Sexto, esse píthos (“que não é um vaso portátil”) nunca é apresentado como um objeto pertencente a Pandora, algo que ela tivesse trazido desde o monte Olimpo; ao contrário, parece evidente que o vaso fazia parte dos utensílios domésticos, por assim dizer, do casal Epimeteu e Pandora. Um autor, Filodemo de Gádara, chega a atribuir o ato de destampar o vaso ao marido, e não à esposa.

Sétimo, o motivo desse ato nunca é explicitado, com uma única exceção. Todos os autores deixam implícito que o motivo era a curiosidade, embora nenhuma das fontes clássicas mencione a existência de uma proibição formal de abrir o vaso. Somente Bábrio, que entende o mito não como uma narrativa sobre a fragilidade feminina mas como um comentário a respeito da escolha trágica do homem entre o conhecimento e o contentamento, faz uma afirmação explícita:

Zeus reuniu todos as coisas benfazejas no vaso e o entregou, fechado, ao homem. Mas o homem, incapaz de refrear seu desejo de saber, disse: “O que pode haver ali dentro?”. E então, levantando a tampa, lhes deu a liberdade de voar de volta para as moradas dos deuses, e elas assim fugiram da terra em direção aos céus. Só a Esperança permaneceu.

Entre os clássicos latinos, os registros são surpreendentemente escassos, o que pode ser uma das razões pelas quais os italianos nuncase sentiram à vontade com ela. Pandora não aparece nem em Ovídio, nem em Virgílio, Horácio, Lucano, Cícero, Sêneca, Martiano Capella ou Macróbio. Na verdade, o nome dela só é mencionado por quatro escritores romanos, dos quais apenas um alude de maneira rápida e confusa ao incidente do píthos.

Plínio assegura, como Pausânias, que a base do Partenon de Fídias, em Atenas, mostrava a “Criação [mais exatamente: A Outorga dos Dons] de Pandora perante Vinte Deuses”, mas demonstra escasso conhecimento do tema quando usa palavras gregas em vez de latinas (Pandoras genesim em lugar de Pandorae originem ou formationem), e quando salienta o fato de que está fazendo uma mera citação (apellant). Higino limita-se a dizer que, depois de Prometeu ter modelado o primeiro homem com o barro, Vulcano, a mando de Júpiter, confeccionou a imagem de uma mulher, igualmente de barro, “a quem Minerva deu uma alma e cada um dos outros deuses presenteou com um dom, razão pela qual ela recebeu o nome de Pandora”; e que “ela foi doada como esposa a Epimeteu, irmão de Prometeu”.

Atribuindo a Prometeu e não a Vulcano a criação de Pandora, Fulgêncio traduz o nome dela em grego como omnium munus, ou, em outra passagem, como universale munus, ao que acrescenta uma breve explicação alegórica: ela fora assim chamada “porque a alma é a mais geral das dádivas”. Mas em outro capítulo, ao tratar do nascimento de Erictônio, Fulgêncio a confunde com Pandroso, uma das filhas de Cécrops. O único escritor romano que menciona o tema do píthos é Porfírio, comentador de Horácio no século III. Tecendo divagações sobre Carmina I, 3, 29, ele escreve: “Hesíodo diz que quando Prometeu roubou o fogo do céu, enviou Pandora à terra como castigo; pois quando essa mulher abriu um vaso de mantimento, irromperam dali todos os tipos de pragas que afetam a humanidade”.
Isso é tudo o que os mitógrafos da Idade Média latina sabiam a respeito de Pandora. Na verdade, todo o conhecimento que tinham se reduzia (já que Porfírio parece ter sido desconhecido) ao que Fulgêncio escrevera. Um proto-humanista como Baudri de Bourgueil (1046-1130) conseguiu sintetizar a concepção do alto medievo sobre Pandora em dois versos mal escandidos, mas inequivocamente lisonjeiros:

A imagem que Prometeu forjou foi chamada “Pandora”,Dádiva de todas as coisas e bem geral.

O breve relato de Boccaccio em Genealogia deorum, ainda que baseado no mesmo texto de Fulgêncio e tão omisso sobre a história do píthos quanto as demais fontes medievais, trata Pandora de modo menos benevolente. Sempre pretendendo saber mais grego do que de fato sabia, Boccaccio não se satisfez com a explicação aceitável e reconhecida sobre o nome de Pandora como omnium munus (“dom de todos”, que nas primeiras edições da Genealogia foi impresso errado, como omnium minus, isto é, “desprovida de tudo”, e por isso foi traduzido como “manca d’ogni cosa” nas versões italianas). Como alternativa, Boccaccio propôs derivar o nome de Pandora de “pan, quod est totum, et doris, quod est amaritudo” [pan, que é tudo, e doris, que é amargura, dor]. Em consequência dessa estranha etimologia, Boccaccio interpreta o nome do primeiro ser humano – pois parece imaginar Pandora como homem, ou, pelo menos, como hermafrodita, já que numa determinada frase a chama de “Pandorus” – com o significado de “todo cheio de amargura”, e no final do capítulo faz uma referência a Jó.

Curiosamente, os patriarcas da Igreja são mais importantes para a transmissão – e transformação – do mito de Pandora que os escritores seculares: numa tentativa de corroborar a doutrina do pecado original recorrendo a um paralelo clássico, ainda que isso significasse opor a verdade cristã a uma fábula pagã, eles associaram Pandora a Eva, uma decisão cujas consequências só se fizeram sentir nos séculos XVI e XVII.
Em sua obra De corona militis, Tertuliano (que em outro texto se refere a Hesiodi Pandora como uma figura de retórica que denota a perfeita mistura ou fusão de todas as coisas, sendo por isso aplicável à perfeição e totalidade de Cristo) insiste, de maneira cordial, para não dizer humorística, que se deve atribuir a Eva e não a Pandora o primeiro e mais razoável emprego dos modos e ornamentos femininos:

Se realmente existiu um dia uma certa Pandora, citada por Hesíodo como a primeira mulher, foi dela a primeira cabeça que as Graças coroaram com um diadema; posto que todos lhe concederam dons e, por conseguinte, ela recebeu o nome de “Pandora”; mas Moisés – um pastor profético mais que um poeta – nos descreve a primeira mulher, Eva, ornada, mais apropriadamente, com folhas ao redor da cintura em vez de flores lhe cingindo as têmporas. Por isso, Pandora não existiu.

Foram os patriarcas gregos que salientaram o incidente do píthos. Gregório de Nazianzo, depois de apresentar Pandora como um exemplo de vaidade, fraude, impudor, narcisismo e lascívia, e chegando a superar Hesíodo quando a qualifica de “delícia mortal”, conclui lembrando aos crentes a Queda do Homem: “Mas ignoremos as fábulas e ouvi as palavras que vos trago a partir da revelação divina; não ouvistes como a brilhante cor da árvore fatídica levou vosso primeiro pai ao engano? Ele foi seduzido e expulso do Paraíso verdejante pela mentira do Inimigo e pelo conselho de sua mulher”. Orígenes compara explicitamente a história do píthos proibido com a do fruto proibido. No Livro IV de Contra Celsum, ele tenta refutar o adversário, que havia elogiado os mitos do “divino Hesíodo” como ideias filosóficas mascaradas de mitologia, ao mesmo tempo que ridicularizava o Gênese. Considerando isso injusto, Orígenes alega que a história de Adão e Eva não é menos suscetível a uma interpretação alegórica, nem menos carregada de “significado racional e transcendência secreta” que qualquer narrativa pagã sobre a criação do homem. Mas depois inverte a situação: a história de Adão e Eva, diz ele, pode “ofender a razão” se a aceitarmos de modo literal; a de Pandora, ao contrário, é pura e simplesmente divertida. À guisa de documentação – e talvez se divertindo um bocado com a história -, Orígenes repete todo o trecho de Os trabalhos e os dias, só interrompendo a narrativa para chamar a atenção para o efeito particularmente cômico, “risível”, do incidente do píthos, com o que propicia aos filólogos do futuro um bom número de excelentes leituras.

Fonte: http://www.companhiadasletras.com.br

A filósofa judia que se tornou inimiga nº 1 de Israel

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Judith Butler já foi chamada de praticamente tudo — idiota útil, sapatona desesperada por atenção, apoiadora do terrorismo. Mas a ofensa clássica é “self hating jew” (judia que se odeia).

Americana de origem judaica, ex-professora de Retórica e Literatura Comparada na Universidade de Berkeley, na Califórnia, autora de vários livros, feminista, antisionista, ela é inimiga pública da direita israelense por sua crítica da política de Israel no Oriente Médio e por ser vista como uma traidora.

Judith é integrante do movimento Boycott, Divestment and Sanctions (Boicote, Desinvestimento e Sanções). Há dois anos, ganhou o prestigiado prêmio Theodor W. Adorno e apanhou pesado. O jornal “Jerusalem Post” — o mesmo que publicou a entrevista com o ministro das relações exteriores de Israel classificando o Brasil de anão diplomático — deu um artigo assinado por intelectuais e políticos chamando-a, entre outras gentilezas, de antissemita.

Foi acusada também de defender o Hamas e o Hezbollah numa palestra — o que ela nega. Suas palestras nos EUA costumam acabar em confusão por causa de protestos.

Butler, cuja família do lado materno morreu num campo de concentração na Hungria, responde que é “doloroso alguém argumentar que quem formula críticas ao Estado de Israel seja antissemita ou, se judeu, autodesprezado.”

Em 2012, ela lançou “Parting Ways: Jewishness and the Critique of Zionism” (“Caminhos Partidos: Judaísmo e Crítica do Sionismo”), em que defendeu o binacionalismo em Israel. Para ela, a relação com o outro está no coração do que significa ser judeu: “Qualquer coabitação genuína necessita de uma mudança pessoal e social no tratamento de populações marginalizadas”, diz.

Sem romantismo, porém. “As pessoas que esperam que inimizade se transforme em amor de repente estão, provavelmente, usando o modelo errado. Vivermos uns com os outros pode ser infeliz, miserável, ambivalente, cheio até de antagonismo, mas não se pode recorrer à expulsão ou ao genocídio. Essa é a nossa obrigação.”

Em suas palestras, ela enfatiza o desconforto de ser uma judia que não se sente representada pelo estado de Israel. “Alguns políticos israelenses têm proposto a transferência de palestinos para fora do que é atualmente chamado Israel, para a Jordânia ou outros países árabes, segundo a idéia de que não haveria miscigenação de palestinos e judeus israelenses ou palestinos e comunidades judaicas”, afirma.

“Mas a segregação absoluta eu acho lamentável. Da mesma forma, há aquele famoso apelo do Hamas para empurrar os israelenses no mar. Agora, eu diria que a maioria dos políticos palestinos acreditam que não é isso que eles querem, e mesmo dentro do Hamas há alguma discussão sobre essa afirmação. Até que ela seja removida isso ainda será nocivo”.

“Acho que o que Hannah Arendt quis dizer quando falou que ‘não podemos escolher com quem convivemos no mundo’ é que todos aqueles que habitam o mundo têm o direito de estar aqui, em virtude de já estarem aqui. O ponto dela é que o genocídio não é uma opção legítima. Não é ok decidir que uma população inteira não tem o direito de viver no mundo. Não importa se essas relações são muito próximas ou muito distantes, não há direito de expurgar uma população ou rebaixar sua humanidade básica.”

Em sua opinião, existe uma saída em Israel. “Primeiro, é preciso estabelecer uma base constitucional sólida para a igualdade de todos os cidadãos, independentemente de qual possa ser que a sua religião, sua etnia ou raça”.

Depois, “é preciso acabar com a ocupação, que é ilegal e uma extensão de um projeto colonial”. Finalmente, ela propõe o direito de retorno, segundo o qual os palestinos sejam indenizados ou retornem, não necessariamente para as casas em que moravam”.

Judith Butler admite que talvez proponha uma utopia. Mas essa á função da filosofia: “Elevar os princípios que parecem impossíveis, ou que têm o status de impossíveis, insistir neles e reforçá-los, mesmo quando parece altamente improváveis. O que aconteceria se vivêssemos num mundo em que ninguém fizesse isso? Seria um mundo mais pobre”.

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br

Os cultos e refinados Filisteus

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O rei Saul e seus guerreiros na narrativa bíblica, o governante israelita é degolado pelos filisteus

O rei Saul e seus guerreiros na narrativa bíblica, o governante israelita é degolado pelos filisteus

O rei Saul e seus guerreiros: na narrativa bíblica, o governante israelita é degolado pelos filisteus

por Elisabeth Yehuda

Para o senso comum, a palavra “filisteu” designa um indivíduo inculto e carente de inteligência, com interesses vulgares e puramente materiais. Um sujeito convencional, desprovido de toda e qualquer capacidade intelectual. Porém, para os arqueólogos, o termo evoca algo muito diferente.

Ecron, Gath, Gaza, Ashcalon e Ashdod são nomes que os estudiosos da Bíblia e da história de Israel sabem de cor. Representam as localidades que constituíram, a certa época, a aliança política e econômica entre cinco cidades-estado autônomas na costa sul do Levante, conhecida como a pentápole filistina. A região era habitada por povos oriundos do Egeu, os filisteus, que se estabeleceram definitivamente no local durante a Idade do Bronze tardia.

De Josué a Jeremias, o Antigo Testamento sistematicamente os descreve como inimigos mortais dos hebreus. São apresentados como guerreiros incansáveis, que combatem e humilham cruelmente os israelitas, oferecendo ao deus Dagan todos os bens alheios saqueados. Em uma das inúmeras guerras travadas entre os dois povos, os cadáveres degolados do rei Saul e de seus filhos ficaram friamente expostos diante das muralhas da cidade de Beth Shean. Porém, a vingança dos israelitas, ou melhor, de seu deus Jeová, não foi menos atroz: segundo a narrativa bíblica, o povo inimigo sofreu moléstias, ulcerações e chagas. Davi, por ocasião de seu casamento com Michal, filha de Saul, presenteou sua noiva com o prepúcio de 200 filisteus mortos. Nos tempos em que ainda pastoreava as ovelhas de seu pai, Jessé, ele já havia sido protagonista de um célebre embate, em que demonstrou ao amedrontado exército israelita que bastava uma funda para dobrar a força filistina, encarnada no gigante Golias. Outro personagem conhecido da querela, Sansão, escolhido de Deus, viveu a amarga experiência de que nem sempre é vantajoso desposar uma mulher da tribo inimiga.

Não fossem os autores do Livro Sagrado judaico, os filisteus permaneceriam tão desconhecidos como inúmeros outros povos da época. Mas os escribas bíblicos consideraram-nos dignos de nota e desde então, graças ao caráter das descrições a eles dedicadas, os povos do mar gozam da inglória fama de incultos e bárbaros. No entanto, os achados arqueológicos trazem à luz a avançada cultura filistina e comprovam que a tribo sabia perfeitamente se portar como povo civilizado.

Em finais do século XII a.C., o faraó Ramsés III ergueu o templo mortuário em Medinet Habu. Ali, o governante quis perpetuar seu nome e feitos heróicos e, para tanto, decorou as paredes externas do mausoléu com preciosos relevos, representando as cenas de suas inúmeras glórias. Os frisos são acompanhados de textos explicativos, que descrevem minuciosamente cada uma das batalhas vencidas. Entre eles, a história das pelejas contra os povos do mar.

Nas paredes construídas por Ramsés III, hieroglifos recontam as disputas do século XII a.C.

Nas paredes construídas por Ramsés III, hieroglifos recontam as disputas do século XII a.C.hados de textos explicativos, que descrevem minuciosamente cada uma das batalhas vencidas. Entre eles, a história das pelejas contra os povos do mar.

Por volta de 1190 a.C., no oitavo ano de reinado de Ramsés III, o Egito foi atacado por uma coalizão de povos marítimos. O faraó massacrou os invasores e contabilizou uma retumbante vitória. Entre os derrotados, havia tribos de nomes tão sonoros como Thekker, Shekelesh, Denyen, Wesheh e Peleset. Os estudiosos concordam que estes últimos são idênticos aos filisteus da Bíblia.

O quadro é complementado pelo Papiro Harris, uma crônica da época de Ramsés IV – aproximadamente 1153 a.C. –, que detalha ainda mais os conflitos bélicos ocorridos durante o reinado de seu predecessor. Os documentos relatam o massacre empreendido por Ramsés III. Vencidos e aprisionados, os filisteus foram levados à força para guarnições no Egito.

Mas a dúvida permanece: até que ponto os construtores de Medinet Habu e os escribas do papiro foram fiéis à realidade? Afinal, a narração de batalhas indecisas ou de vitórias dos rebeldes não seria benéfica à gloriosa memória do faraó. A ciência concorda que a questão é controversa. Há décadas, os estudiosos discutem o teor de verdade dos textos. Parte dos pesquisadores argumenta que não há exageros nos relatos, e que o faraó egípcio teria, de fato, trucidado os filisteus e colonizado as guarnições com os sobreviventes. As imagens e a narrativa que chegaram à atualidade demonstram que os povos do mar não avançaram rumo ao Egito somente com seus exércitos, mas com carruagens cheias de mulheres e crianças. Porém, se populações inteiras se mobilizaram em direção a terras estrangeiras, tendo sido interceptadas pelos egípcios e obrigadas a se estabelecer nos domínios do faraó, algum vestígio concreto dessa colonização deveria permanecer. E o Egito não guarda remanescentes da cultura filistina, que aparece mais nítida em outros locais.

Philistine, relief / Medinet Habu

No templo Medinet Habu, inscrição retrata prisioneiros filistinos libertados

Um segundo grupo de estudiosos considera a tese de assentamento compulsório dos povos do mar bastante plausível, mas argumenta que a descrição do local de colonização é muito vaga. Esses pesquisadores ponderam que os filisteus podem ter sido levados a algum lugar ao norte do reino egípcio. E como este era bastante vasto, não é impossível que a Terra de Canaã, sob domínio do Egito nos tempos de Ramsés III, tenha sido o local do desterramento. Os sepultamentos ao estilo egípcio lá encontrados, possivelmente herdados pelos recém-chegados de seus dominadores, e os objetos escavados na região juntamente com peças de cerâmica moldadas à moda filistina depõem a favor dessa teoria.

Uma terceira linha de pesquisa coloca em dúvida as conquistas e relatos de glória de Ramsés III. Segundo seus defensores, os egípcios não saíram de modo nenhum vitoriosos das batalhas contra os filisteus e estes teriam colonizado a região de Canaã por conta própria. As marcas de destruição nos postos egípcios avançados, como em Tel el-Farah, nos quais foi encontrada cerâmica tipicamente filistina, parecem comprovar essa hipótese.

A origem dos povos do mar é mais um assunto de disputa entre os estudiosos, que concordam apenas sobre o espaço do Egeu como local de procedência. Alguns pesquisadores consideram a região micênica como berço dos filisteus. Outros, mais cuidadosos, defendem uma opinião conservadora: a pátria dos povos do mar seria Chipre. E há ainda os audazes, que consideram que a colonização de Canaã se deu a partir da Anatólia. Estes chegam a lançar mão da Ilíada de Homero como repositório de informações sobre a origem filistina. Afinal, se o famoso arqueólogo alemão Heinrich Schliemann conseguira encontrar Tróia guiado pelos versos do grande poeta grego, então não parece impossível que Menelau ou Odisseu, que depois de intermináveis périplos haviam atracado nas costas da Líbia e do Egito, tenham sido os ancestrais dos filisteus.

O registro arqueológico só reconstitui a origem filistina até Chipre, a última estação inquestionavelmente pertencente aos povos do mar em sua peregrinação rumo ao sul. Depois disso, qualquer tentativa de relacionar os diversos achados fracassa em função da semelhança dos supostos vestígios com os remanescentes de outras culturas oriundas do Egeu.

Medinet Habu/Totentempel Rames III./Foto - Medinet Habu/Mortuary te.Rames III/Photo -

Em Medinet Habu, o faraó perpetuou sua suposta vitória sobre os povos do mar

No Levante, os recém-chegados filisteus realizaram mais do que simplesmente amedrontar os nativos. Traziam na bagagem sua própria cultura e esforçaram-se por estabelecê-la no novo lar. Mas eis que surge nova matéria de controvérsia entre os estudiosos. Uns acreditam que o desenvolvimento que se seguiu representa mera assimilação, com a crescente dissolução dos costumes filistinos. Outros consideram tratar-se de uma aculturação, isto é, uma troca ativa entre duas ou mais culturas, resultando na modelagem de cada uma delas.

De todo modo, o que parece certo é que, embora os filisteus tenham vindo como conquistadores, logo trataram de se arranjar com os hábitos de Canaã. Adotaram os elementos que consideraram bons e práticos e mantiveram aquilo que lhes era caro. Assim, seus deuses são todos de origem cananéia, bem como os parâmetros de guerra que passaram a usar, como se pode verificar pela armadura ostentada por Golias no relato bíblico. A cerâmica, no entanto, foi considerada demasiadamente simples, e os filisteus continuaram a moldar suas peças de acordo com suas antigas técnicas e tradições. As escavações na pentápole filistina trouxeram à tona uma enorme quantidade de peças em estilo micênico. Porém, um século depois do assentamento inicial, parece haver ocorrido o reconhecimento do valor da cerâmica cananéia e a incorporação de novos elementos estilísticos, levando a uma produção que unia os estilos micênico, cipriota, cananeu e egípcio.

Possivelmente, a ojeriza bíblica aos filisteus se relaciona menos com sua propalada violência bélica e mais com os seus hábitos. Seu cardápio incluía – além de boi, carneiro, aves e cabra – carne de porco, ingrediente culinário impensável para os hebreus e não encontrado nas montanhas vizinhas, habitadas pelos israelitas.

Se considerarmos que os filisteus não veneravam um único deus patriarcal mas uma grande quantidade de deuses e deusas, a indignação sacerdotal hebraica se torna ainda mais compreensível. A segunda mais importante divindade filistéia respondia ao sonoro nome de Baal-Zebub e os israelitas consideravam esse deus a personificação do paganismo. Hoje, belzebu é um nome corriqueiro para o diabo.

Embora sua engenhosidade não tenha sido reconhecida pelos moradores da montanha, os invasores destacaram-se na arte da construção naval, introduzindo grandes inovações tais como a âncora de pedra com braços de madeira, a vela móvel para as embarcações e o cesto da gávea.

A arquitetura também pôde se beneficiar: até então, a construção fazia uso apenas de pedras brutas e tijolos. Os povos do mar trouxeram a técnica de esculpir grandes blocos rochosos. Além disso, desenvolveram e aperfeiçoaram o processamento de metais.

Em XI a.C., as cidades filistéias floresceram e destacavam-se pelos espaços amplos e pelas generosas construções. Os templos, erguidos em veneração a Dagan, impressionavam pela vastidão de suas galerias, cujas pilastras sustentavam tetos semi-abertos. Em seu interior, ardiam fogos sagrados, e altares móveis, nichos e plataformas de oração guarneciam os locais de culto. Em Ashcalon, vinhos exóticos eram produzidos e exportados. Numerosas garrafas foram desenterradas no local, comprovando que os habitantes dessa cidade gostavam de consumir a bebida, além da tradicional cerveja. Ecron, por sua vez, alcançou fama nacional e talvez até internacional pela produção de outro líquido precioso: o óleo de oliva, que se destacou na época pela excepcional qualidade.

No século X a.C., quando da unificação das tribos israelitas sob o rei Davi, os filisteus foram colocados diante de uma grande dificuldade, com a força multiplicada dos hebreus ameaçando-os. Além destes, os arameus, babilônios e assírios foram de igual importância para sua decadência. Os arameus, por exemplo, não mediram esforços para conquistar a cobiçada Gath e, no século IX a.C., chegaram a sitiá-la, escavando um poço com mais de seis metros de profundidade e sete de largura. Após ser tomada, a cidade nunca mais se recuperou da destruição, desaparecendo dos registros por volta do século VII a.C. A última menção a ela ocorre em 712 a.C., quando foi conquistada pelos assírios e obrigada a pagar pesados tributos ao rei Sargão II, que no mesmo período dobrou Ecron ao seu jugo. Ashdod já havia se tornado província assíria um ano antes. Em 701 a.C. , o soberano de Ecron, o filisteu Padi, foi levado a Jerusalém por Hezekiah, rei judaico que se rebelara contra os assírios.

A derrocada ocorreu ao final do século VII a.C. A batalha de Karkemish, travada em 605 a.C., derrubou o domínio assírio sobre as províncias da costa mediterrânea e abriu caminho ao rei babilônio Nabucodonosor. Com sua chegada, Ecron, Ashdod e Ashcalon, sofreram a derradeira destruição. As escavações testemunham o cenário de horror que se estabeleceu. Ashcalon, com suas ruas de comércio, templos e palácios, foi inteiramente incendiada. Nada nem ninguém foi poupado, e os sítios arqueológicos atestam a existência somente de escombros de guerra. Em Ecron, o fogo dos conquistadores ardeu com tamanha intensidade que arrebentou as pedras calcárias das construções. Nenhuma peça de cerâmica permaneceu inteira, comprovando a violência do assalto que se abateu como uma catástrofe natural sobre a cidade. Depois da completa destruição, os poucos moradores sobreviventes foram aprisionados e deportados para a Babilônia.

A cultura filistina chegava, assim, ao seu ponto final. E, ao contrário dos israelitas, que haviam sofrido destino semelhante mas aos quais, depois de 70 anos de prisão, foi aberta a possibilidade de retornar a sua pátria, os filisteus que não haviam sucumbido ao massacre nunca mais voltaram à Palestina natal. Deles resta somente o relato antipático da Bíblia e o papel de personificação do mal e da estupidez.

Fonte: http://www2.uol.com.br/


Pernambuco negro: roteiro pela cultura e costumes afro

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por Carolina Braga

Nossa cultura é preta. Muitos costumes cotidianos atuais nasceram do convívio entre negros e índios quando foram escravizadas no Brasil. Apesar de serem mais visíveis em festejos e folguedos, muitas das manifestações da cultura popular são fruto da experiência de homens e mulheres que resistiram fazendo rituais da própria cultura e religiosidade, mesmo em uma terra diferente, marcada por imposições de costumes cristãos.

Também buscaram transformar a batalha diária em diversão, como o é o caso dos trabalhadores rurais, com a exploração da cana-de-açúcar e a criação do Cavalo Marinho e do Maracatu Rural, ou a resistência negra quilombola, com o jogo de capoeira. Das histórias indígenas, quem nunca escutou os feitos do Curupira, da Comadre Fulozinha, do Saci Pererê e dos caboclos do mato?

Durante o ciclo junino também há no Candomblé comemorações da colheita do milho verde, com comidas a base de milho como a canjica e a pamonha, que são consideradas iguarias para agradar Xangô, orixá do fogo, da justiça, da fartura. Nos terreiros de Candomblé, a pipoca também é comumente utilizada em rituais de limpeza do corpo, ou é oferecida a Omulu, orixá da cura, de acordo com a professora doutora em História Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Valéria Costa, autora da tese Trajetórias negras: os libertos da Costa d’África no Recife (1846-1890).

O acarajé também é outra comida feita nos terreiros para ser ofertada a Iansã, orixá dos ventos da tempestade, senhora dos mortos (eguns). “Várias pessoas, independente de sua prática religosa, consomem pipoca, canjica, pamonha, acarajé… E por mais que sejam aversas às religões de matriz africanas, estão partilhando de hábitos desta religião tão fascinante, que mantém vínculo intimo com a natureza”, diz a professora.

Além da ligação com a espiritualidade, com o sagrado, com a promoção da cultura e com orientação político-social, os terreiros também são importantes para a alimentação e combate à fome e à pobreza dentro das comunidades. Segundo a “Pesquisa Socioeconômica e Cultural das Comunidades Tradicionais de Terreiro de Recife e Região Metropolitana”, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), com parceria com a UNESCO, em 2011, ao todo, 92% dos terreiros das quatro regiões metropolitanas pesquisadas (Recife, Belém, Belo Horizonte e Porto Alegre) têm ações de preparo e distribuição de comidas para as famílias do entorno.

Em Pernambuco, as danças e músicas da cultura popular como maracatu, coco, caboclinho, ciranda e cavalo marinho não apenas representam manifestações tradicionais de resistência por si só, mas influenciaram diversos movimentos musicais. “As tradições populares, mantidas principalmente nas periferias, oriundas dos negros e dos índios, influenciaram, por exemplo, o Movimento Mangue, dando visibilidade internacional e acadêmica à cultura popular. A cultura pernambucana é espetáculo, é tese de doutorado. Só falta mais apoio do governo para os projetos”, argumenta o percussionista, integrante do Maracatu Estrela Brilhante, da Escola de Samba Galeria do Ritmo do Morro da Conceição e ex-Cascabulho, Jorge Martins.

Segundo a professora Valéria Costa, é importante que as pessoas conheçam e respeitem as diferenças culturais. “É importante acabar com o preconceito e desmistificar as inverdades e ilusões que a cultura judáico-critã semeou na sociedade. Africanos e indígenas fazem parte de nosso povo, foram os fomentadores do que somos hoje em dia. Na medida em que a sociedade for conhecendo mais sobre a culura negra e indígena, violências como o racismo e a intolerância religiosa vão sendo amenizadas, quiçá, estringuindo-se de nosso convívio.”

Na Região Metropolitana do Recife, inúmeros lugares mantém a tradição negra seja nos cultos religiosos, manifestações musicais e de dança, ou junto a projetos socio-culturais. Quer conhecer mais sobre a cultura e religião de matriz afro-indígena? Preparamos um roteiro cheio de toques, coco, capoeira, maracatu e história.

 

Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br

Leonardo Boff, sobre Marina: “Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar”

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por Conceição Lemes

Leonardo Boff é um dos mais brilhantes e respeitados intelectuais do Brasil. Teólogo, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação. Ficou conhecido pela sua história de defesa intransigente das causas sociais. Atualmente dedica-se sobretudo às questões ambientais.

Ele conhece Marina Silva, candidata do PSB à Presidência da República, desde os tempos em que ela atuava no  Acre e estava muito ligada à Teologia da Libertação. Acompanhou toda a sua trajetória.

Em 2010, chegou a sonhar com uma representante dos povos da floresta, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à escravidão,  chegar a presidente do Brasil. Hoje, não.

“Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar”, observa Boff em entrevista exclusiva ao Viomundo.

Para Boff, Marina acolheu plenamente o receituário neoliberal.

“Ela o diz com certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente significa: mercado livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos professores, menos agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação com a eventual alta de juros”, alerta.  “Como consequência, arrocho salarial, desemprego, fome nas famílias pobres, mortes evitáveis. É o pior que nos poderia acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de ‘austeridade fiscal’ que está afundando as economias da zona do Euro”.

Sobre a  autonomia do Banco Central prevista no programa de Marina, Boff detona:  “Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista nacional e transnacional. A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle os Bancos Centrais dos países”.

Veja a íntegra da nossa entrevista. Nela, Leonardo Boff aborda o  recuo de Marina em relação à criminalização da homofobia, a sua trajetória religiosa, a influência de Silas Malafaia, Neca Setúbal (Banco Itaú), Guilherme Leal (Natura) e do economista neoliberal Eduardo Gianetti da Fonseca. Também a autonomia formal do Banco Central e o risco de ela sofrer impeachment.

Viomundo — Na última sexta-feira, Marina lançou o seu programa de governo, que previa o reconhecimento da união homoafetiva e a criminalização da homofobia. Bastou o pastor Malafaia tuitar quatro frases para ela voltar atrás. O que achou dessa postura? É cristão não criminalizar a homofobia, que frequentemente provoca assassinatos?

Leonardo Boff — Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar. Numa ocasião, ela chegou a declarar que um dos objetivos desta eleição é tirar o PT do poder, o que faz supor mágoas não digeridas contra o PT que ajudou a fundar.

O Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus à qual Marina pertence, é o seu Papa. O Papa falou, ela, fundamentalisticamente obedece, pois vê nisso a vontade de Deus. E, aí, muda de opinião. Creio que não o faz por oportunismo político, mas por obediência à autoridade religiosa, o que acho, no regime democrático, injustificável.

Um presidente deve obediência à Constituição e ao povo que a elegeu e não a uma autoridade exterior à sociedade.

Viomundo — Qual o risco para a democracia brasileira de alguém na presidência estar submissa a visões tão retrógradas em pleno século XXI, ignorando os avanços, as modernidades?

Leonardo Boff — Um fundamentalista é um dos atores políticos menos indicado  para exercer o cargo da responsabilidade de um presidente. Este deve tomar decisões dentro dos parâmetros constitucionais, da democracia e de um estado laico e pluralista. Este tolera todas as expressões religiosas, não opta por nenhuma, embora reconheça o valor delas para a qualidade ética e espiritual da vida em sociedade.

Se um presidente obedece mais aos preceitos de sua religião do que aos da Constituição, fere a democracia e entra em conflito permanente com outros até de sua base de sustentação, pois os preceitos de uma religião particular não podem prevalecer sobre a totalidade da sociedade.

A seguir estritamente nesta linha, pode acontecer um impeachment à Marina, por inabilidade de coordenar as tensões políticas e gerenciar conflitos sempre presentes em sociedades abertas.

 Viomundo — Lá atrás Marina Silva esteve ligada à Teologia da Libertação. Atualmente, é da Assembleia de Deus. O que o senhor diria dessa trajetória religiosa? O que representa essa guinada para o conservadorismo exacerbado?

Leonardo Boff – Respeito a opção religiosa de Marina bem como de qualquer pessoa. Eu a conheço do Acre e ela participava dos cursos que meu irmão teólogo Frei Clodovis (trabalhava 6 meses na PUC do Rio e 6 meses na igreja do Acre) e eu dávamos sobre Fé e Política e sobre Teologia da Libertação.

Aqui se falava da opção pelos pobres contra a pobreza, a urgência de se pensar e criar um outro tipo de sociedade e de país, cujos principais protagonistas seriam as grandes maiorias pobres junto com seus aliados, vindos de outras classes sociais. Marina era uma liderança reconhecida e amada por toda a Igreja.

Depois, ao deixar o Acre, por razões pessoais, converteu-se à Igreja Assembleia de Deus. Esta se caracteriza por um cristianismo fundamentalista, pietista e afastado das causas da pobreza e da opressão do povo. Sua pregação é a Bíblia, preferentemente o Antigo Testamento, com uma leitura totalmente descontextualizada daquele tempo e do nosso tempo. Como fundamentalista é uma leitura literalista, no estilo dos muçulmanos.

Politicamente tem consequências graves: Marina pôs o foco no pietismo e no fundamentalismo, na vida espiritual descolada da história presente e quase não fala mais da opção pelos pobres e da libertação. Pelo menos não é este o foco de seu discurso.

A libertação para ela é espiritual, do pecado e das perversões do mundo. Com esse pensamento é fácil ser capturada pelo sistema vigente de mercado, da macroeconomia neoliberal e especulativa.

Isso é inegável, pois seus assessores são desse campo: a herdeira do Banco Itaú Maria Alice (Neca), Guilherme Leal da Natura e o economista neoliberal Eduardo Gianetti da Fonseca. Os pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora.

E eu que em 2010 sonhava com uma representante dos povos da floresta, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à escravidão, dos operários explorados das grandes fábricas, dos invisíveis, alguém que viria dos fundos da maior floresta úmida do mundo, a Amazônia, chegar a ser presidente de um dos maiores países do mundo, o Brasil?! Esse sonho foi uma ilusão que faz doer até os dias de hoje. Pelo menos vale como um sonho que nunca morre!

Viomundo — O programa de Marina prevê autonomia ao Banco Central. O que acha dessa medida?

Leonardo Boff — Eu me pergunto, autonomia de quem e para quem?

Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista nacional e transnacional. Um presidente/a é eleito para governar seu povo e um dos instrumentos principais é o controle monetário que assim lhe é subtraído. Isso é absolutamente antidemocrático e comporta submissão à tirania das finanças que são cada vez mais vorazes, pondo países inteiros à falência como é o caso da Grécia, da Espanha, da Itália, de Portugal e outros.

Viomundo — Essa medida expressa a influência de Neca Setúbal, herdeira do Itaú, no seu futuro governo?

Leonardo Boff — Quem controla a economia controla o país, ainda mais que vivemos numa sociedade de “Grande Transformação” denunciada pelo economista húngaro-americano Karl Polaniy ainda em 1944 quando, como diz, passamos de uma sociedade com mercado para uma sociedade só de mercado. Então tudo vira mercadoria, inclusive as coisas mais sagradas como água, alimentos, órgãos humanos.

A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle os Bancos Centrais dos países. A partir desse controle, estabelecem os níveis dos juros, a meta da inflação, a flutuação do dólar e a porcentagem do superávit primário (aquela quantia tirada dos impostos e reservada para pagar os rentistas, aqueles que emprestaram dinheiro ao governo).

Os bancos jogam um papel decisivo, pois é através deles que se fazem os repasses dos empréstimos ao governo e se cobram juros pelos serviços. Quanto maior for o superávit primário a alíquota Selic mais lucram. Pode ser que a citada Neca Setúbal tenha tido influência para que a candidata Marina acreditasse neste receituário, velho, antipopular, danoso para as grandes maiorias, mas altamente benéfico para o sistema macroeconômico vigente.

Viomundo — As avaliações feitas até agora mostram que o programa econômico de Marina é o mesmo de Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência. São neoliberais. O que representaria para o Brasil o retorno a esse modelo? O senhor acha que, se eleita, o governo Marina teria conotações neoliberais?

Leonardo BoffMarina acolheu plenamente o receituário neoliberal. Ela o diz com certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente significa: mercado livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos professores, menos agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação com a eventual alta de juros.

Como consequência, arrocho salarial, desemprego, fome nas famílias pobres, mortes evitáveis. É o pior que nos poderia acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de “austeridade fiscal” ,que está afundando as economias da zona do Euro e não deram certo em lugar nenhum do mundo, se olharmos a política econômica a partir da maioria da população. Dão certo para os ricos que ficam cada vez mas ricos, como é o caso dos EUA onde 1% da população ganha o equivalente ao que ganham 99% das pessoas. Hoje os EUA são um dos países mais desiguais do mundo.

Viomundo – Foi amplamente divulgado que Marina consulta a Bíblia antes de tomar decisões complexas. Esta visão criacionista do mundo é compatível com um mundo laico?

Leonardo Boff — O que Marina pratica é o fundamentalismo. Este é uma patologia de muitas religiões, inclusive de grupos católicos. O fundamentalismo não é uma doutrina. É uma maneira de entender a doutrina: a minha é a única verdadeira e as demais estão erradas e como tais não têm direito nenhum.

Graças a Deus que isso fica apenas no plano das ideias. Mas facilmente pode passar para o plano da prática. E, aí, se vê evangélicos fundamentalistas invadirem centros de umbanda ou do candomblé e destruírem tudo ou fazerem exorcismos e espalharem sal para todo canto. E no Oriente Médio fazem-se guerras entre fundamentalistas de tendências diferentes com grande eliminação de vidas humanas como o faz atualmente o recém-criado Estado Islâmico. Este pratica limpeza étnica e mata todo mundo de outras etnias ou crenças diferentes das dele.

Marina não chega a tanto. Mas possui essa mentalidade teologicamente errônea e maléfica. No fundo, possui um conceito fúnebre de Deus. Não é um Deus vivo que fala pela história e pelos seres humanos, mas falou outrora, no passado, deixou um livro, como se ele nos dispensasse de pensar, de buscar caminhos bons para todos.

O primeiro livro que Deus escreveu são a criação e a natureza. Elas estão cheias de lições. Criou a inteligência humana para captarmos as mensagens da natureza e inventarmos soluções para nossos problemas.

A Bíblia não é um receituário de soluções ou um feixe de verdades fixadas, mas uma fonte de inspiração para decidirmos pelos melhores caminhos. Ela não foi feita para encobrir a realidade, mas para iluminá-la. Se um fundamentalista seguisse ao pé da letra o que está escrito no livro Levítico 20,13 cometeria um crime e iria para a cadeia, pois aí se diz textualmente:  “Se um homem dormir com outro, como se fosse com mulher, ambos cometem grave perversidade e serão punidos com a morte: são réus de morte”.

Viomundo — Marina fala em governar com os melhores. É possível promover inclusão social, manter políticas que favorecem os mais pobres com uma política econômica neoliberal?

Leonardo Boff — Marina parece que não conhece a realidade social na qual há conflitos de interesses, diversidade de opções políticas e ideológicas, algumas que se opõem completamente às outras.

Lendo o programa de governo do PSB de Marina parece que fazemos um passeio ao jardim do Éden. Tudo é harmonioso, sem conflitos, tudo se ordena para o bem do povo. Se entre os melhores estiver um político, para aceitar seu convite, deverá abandonar seu partido e com isso, segundo a atual legislação, perderia o mandato.

Ela necessariamente, se quiser governar, deverá fazer alianças, pois temos um presidencialismo de coalizão. Se fizer aliança com o PMDB deverá engolir o Sarney, o Renan Calheiros e outros exorcizados por Marina. Collor tentou governar com base parlamentar exígua e sofreu um impeachment.

Viomundo — Marina é preparada para presidir um país tão complexo como o Brasil?

Leonardo Boff — Eu pessoalmente estimo sua inteireza pessoal, sua visão espiritualista (abstraindo o fundamentalismo), sua busca de ética em tudo o que faz. Estimo a pessoa,  mas questiono o ator político. Acho que não tem a inteligência política para fazer as alianças certas. O presidente deve ser uma pessoa de síntese, capaz de equilibrar os interesses e resolver conflitos para que não sejam danosos e chegar a soluções de ganha-ganha. Para isso precisa-se de habilidade, coisa que em Lula sobrava. Marina, por causa de seu fundamentalismo, não é uma pessoa de síntese,  mas antes de divisão.

Viomundo — A preservação efetiva do meio ambiente é compatível com o capitalismo selvagem dos neoliberais?

Leonardo Boff — Entre capitalismo e ecologia há uma contradição direta e fundamental. O capitalismo quer acumular o mais que pode sem qualquer consideração dos bens e serviços limitados da Terra e da exploração das pessoas. Onde ele chega, cria duas injustiças: a social, gerando muita pobreza de um lado e grande riqueza do outro; e uma injustiça ecológica ao devastar ecossistemas e inteiras florestas úmidas.

Marina fala de sustentabilidade, o que é correto. Mas deve ficar claro que a sustentabilidade só é possível a partir de outro paradigma que inclui a sustentabilidade ambiental, político-social, mental e integral (envolvendo nossa relação com as energias de todo o universo).

Portanto, estamos diante de uma nova relação para com a natureza e a Terra, onde as medidas econômicas preconizadas por Marina contradizem esta visão. Temos que produzir, sim, para atender demandas humanas, mas produzir respeitando os limites de cada ecossistema, as leis da natureza e repondo aquilo que temos demasiadamente retirado dela.

Marina quer a produção sustentável, mas mantém a dominação do ser humano sobre a natureza. Este está dentro da natureza, é parte dela e responsável por sua conservação e reprodução, seja como valor em si mesmo, seja como matriz que atende nossas necessidades e das futuras gerações.

Ocorre que atualmente o sistema está destruindo as bases físico-químicas que sustentam a vida. Por isso, ele é perigoso e pode nos levar a uma grande catástrofe. E com certeza os que mais sofrerão, serão aqueles que sempre foram mais explorados e excluídos do sistema. Esta injustiça histórica nós não podemos aceitar e repetir.

Fonte: http://www.viomundo.com.br

Reflexo das ondas sonoras nas pedras inspirou o homem pré-histórico

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caverna acustica

caverna acustica

A acústica dos subterrâneos chama a atenção de arqueólogos e antropólogos porque oferece pistas sobre os comportamentos dos homens pré-históricos. Uma pesquisa apresentada no 168º encontro da Sociedade Acústica da América sugere que criações misteriosas da humanidade, como gravações em cavernas e até mesmo as construções de Stonehenge, podem ter sido inspiradas pelo viés sobrenatural que os antepassados atribuíam às ondas sonoras.

Há fortes elementos que apoiam a hipótese de que, durante a pré-história, as propriedades acústicas especiais das cavernas eram utilizadas em rituais e cerimônias que envolviam música e dança. Alguns estudos têm sido realizados com medições sonoras para avaliar as possíveis relações entre a acústica e as pinturas nas paredes das cavernas.

Segundo os pesquisadores, na segunda metade dos anos 700 d.C., músicos usavam cavernas para se apresentar. As grutas de Ossele, na França, por exemplo, eram iluminadas com tochas para a realização de eventos artísticos. Contudo, essas manifestações podem ter ocorrido muito antes disso. “De acordo com a mitologia antiga, ecos das bocas de cavernas eram respostas dos espíritos. Isso sugere que nossos antepassados podem ter feito as pinturas rupestres para mostrar a crença de que entidades habitavam lugares rochosos, como cavernas ou cânions”, explica Steven Waller, autor do estudo.

Assim como a reflexão da luz pode criar ilusões, as ondas sonoras de uma superfície são matematicamente idênticas às ondas que emanam de uma fonte de som virtual atrás de um plano de reflexão, como um grande penhasco. “Isso pode resultar na ilusão auditiva de que alguém responde a você de dentro da rocha”, conta o Waller. Ecos da batida das palmas podem soar como cascos, enquanto que ecos múltiplos dentro de uma caverna geram uma reverberação estrondosa, semelhante ao som de um rebanho de animais em debandada. “Muitas culturas antigas atribuíam o trovão a ‘deuses com cascos’; por isso, faz sentido que a reverberação dentro das cavernas seja interpretada como um trovão, e pinturas desses mesmos deuses de cascos estampem paredes das cavernas”, explica o pesquisador.

“Essa teoria é apoiada por medições acústicas, o que mostra a correspondência significativa entre os sítios de arte rupestre e os locais com o mais forte som de reflexão”, diz ele. Outras características acústicas podem ter sido mal-interpretadas por culturas antigas que desconheciam a teoria das ondas sonoras. Waller notou uma semelhança entre um padrão de interferência e Stonehenge, na Inglaterra. Então, ele criou um padrão de interferência em um campo aberto com apenas duas flautas que sopravam a mesma nota para explorar como elas iriam soar — ou parecer. O resultado obtido foi o de um anel gigante de pedras, assim como o monumento do Reino Unido. O círculo de pedra de Stonehenge tem 17 blocos verticais de pedra arenisca, que pesam até 45t.

O pesquisador viajou para a Inglaterra e demonstrou que Stonehenge, de fato, irradia sombras acústicas que recriam o mesmo padrão de interferência. “Minha teoria mostra que os padrões de interferência musicais serviram como modelos para círculos megalíticos — muitos dos quais são chamados de gaiteiros de pedra — que retratam lendas antigas de dois flautistas mágicos que seduziam donzelas. Elas dançavam em círculos e acabavam transformadas em pedra”, observa.

Experimento

Para demonstrar sua teoria, durante o 168º encontro da Sociedade Acústica da América, Waller pediu a voluntários que vendassem os olhos e experimentassem a mesma ilusão sonora que os gaiteiros. “Solicitei que tirassem a venda e desenhassem o que havia entre eles e o som”, contou o pesquisador, relatando que os desenhos que fizeram eram muito similares ao Stonehenge.

“Acho que essa mesma ilusão ocorreu há cinco mil anos, como se pode demonstrar hoje”, destacou o cientista. “Uma experiência assim era terrivelmente perturbadora no passado em que tudo o que era misterioso era considerado mágico ou sobrenatural. Penso que isso motivou os construtores do Stonehenge a reproduzir a estrutura, recriando a mesma ilusão… como uma visão que teriam tido de outro mundo”, acrescentou. Especula-se que Stonehenge, um dos sítios arqueológicos mais conhecidos do mundo, era um observatório astronômico pré-histórico, um templo solar ou um local sagrado de cura. Mitos antigos de todo o mundo evocam crenças populares, segundo as quais o eco da voz era a resposta dos espíritos, disse Waller.

A acústica parece ter sido usada pelas civilizações antigas para criar potentes espaços espirituais. Um estudo feito por Miriam Kolar, da Universidade de Stanford, na Califórnia, apresentado há dois anos no encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), revelou que os criadores do centro cerimonial de Chavin de Huantar, no Peru, tinham conhecimentos de acústica há três mil anos. A pesquisa demonstrou que o labirinto de túneis situados debaixo do complexo reproduz sons estranhos quando ecoam a voz humana ou instrumentos musicais. Isso sugere que os oráculos se expressavam desta maneira, disse Kolar.

Os maias também usavam a acústica para manipular os espíritos, explica David Lubman, especialista do Instituto de Engenharia de Controle de Ruído em Westminster, que fez estudos no sítio de Chichén Itzá, no México. Na pirâmide de Kukulkán, o eco dos aplausos evoca o canto do quetzal, ave sagrada dos maias, considerada mensageira de Deus, afirmou, em entrevista à agência France Presse.

“Minha teoria mostra que os padrões de interferência musicais serviram como modelos para os círculos megalíticos de Stonehenge, que retratam lendas antigas de dois flautistas mágicos”.
Steven Waller, especialista em arte rupestre

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br

Imagem de Iansã é encontrada decepada na Faculdade de Direito do Recife

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iansa

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O Salão Nobre da centenária e histórica Faculdade de Direito do Recife (FDR), localizada no bairro da Boa Vista, área central do Recife, virou palco de discussão religiosa. No centro da questão, três imagens, colocadas no local por três grupos, ligados a estudantes da faculdade.

No Salão Nobre, há uma imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho – padroeira da instituição -, que foi doada à FDR em 2008. Divindo o espaço do aparador, estão ainda uma imagem da orixá Iansã, do candomblé, e um Papai Noel. A imagem da orixá foi doada na última segunda-feira (17) pelo o Movimento Zoada, durante eventos sobre a consciência negra na instituição, enquanto o Papai Noel de pelúcia foi posto pelo movimento Ocupe-se entre as duas imagens nesta quinta-feira (20). Também nesta manhã – dia em que é comemorada a Consciência Negra – Iansã foi encontrada sem a cabeça – o pedaço da peça não foi encontrado.

Próximo à orixá, estava um panfleto com os dizeres: “[Iansã] Rejeita os papéis impostos tradicionalmente pela sociedade para a mulher e se coloca como uma guerreira que sempre desperta pronta para a guerra”.

Junto com o Bom Velhinho, o Ocupe-se anexou um texto que foi considerado desrespeitoso por alguns estudantes. “O trenó foi impedido de entrar porque restavam vagas só na garagem dos professores, e porque veículos de tração animal não poderiam ingressar na Adolpho Cirne, num ato de homofobia disfarçada contra as renas”, diz. A mensagem encerra com: “A todos, especialmente aos que defendem o fim dos símbolos regiliosos nos espaços públicos, um feliz Natal!”

Em resposta ao panfleto do Papai Noel, o coletivo Além do Arco-íris escreveu, no mesmo panfleto, de caneta: “Respeito à diversidade religiosa!!” e “Universidade para todos! Sem racismo, machismo e LGBTfobia!!!”.

De acordo com a coordenadora administrativa da FDR, Rejane Ramos Lima, a vigilância informou que, por volta das 6h15, a estatueta da orixá estava intacta. Às 8h, chegou ao setor de reclamações que Iansã estava sem cabeça. Ainda segundo Rejane, não é possível dizer quem foi o responsável pela quebra da estatueta. Uma reunião do conselho departamental será convocada para a sexta-feira da próxima semana para saber quais medidas serão tomadas.

A Faculdade de Direito do Recife foi fundada no século XIX por lei do imperador Dom Pedro I. Ao longo de sua história, formaram-se importantes nomes do ensino, literatura, política, etc, como o escritor Eusébio de Queiroz, o ex-governador de Pernambuco Agamenon Magalhães, o conselheiro Rosa e Silva, entre outros.

Fonte: http://noticias.ne10.uol.com.br

Vereadora Lucimara Passos vai à tribuna da Câmara sem calcinha e desafia Agamenon Sobral

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Lucimara calcinha

Lucimara calcinha

Declaração de vereador sobre suposta notícia de mulher que tentou casar sem calcinha gera polêmica

No Dia de Combate à Violência contra Mulher, o tema principal da Câmara dos Vereadores de Aracaju foi a calcinha da vereadora Lucimara Passos (PCdoB), erguida por ela enquanto discursava da tribuna da Casa, usando apenas seu vestido e um terninho. A vereadora estaria ali rebatendo declarações do vereador Agamenon Sobral (PP), que se teria criticado duramente uma mulher que tentou casar-se sem calcinha, mas foi barrada pelo padre. “Ela devia ganhar uma surra de couro cru e um banho de sal”, disse o vereador, comentando sobre o tema, em entrevista a um programa de rádio na manhã desta terça-feira, 25.

A suposta notícia especulada nacionalmente em 2012, afirmando que o fato aconteceu em Alagoas, dizia que a igreja estava com tapete espelhado e o padre teria visto tudo. A especulação chegou a ser taxada de falsa notícia. No entanto, um vereador do Espírito Santo, Ozias Zizi (PRB), chegou a cogitar um projeto que proibisse mulher de casar sem calcinha, e agora o vereador Agamenon estaria seguindo a mesma ideia.

Segundo Lucimara Passos, comentando sobre a possibilidade de colocar o projeto, Agamenon já havia mostrado na Câmara indignação sobre o caso especulado da noiva sem calcinha. “Ele repetiu mais de uma vez da tribuna da Casa que uma mulher pelo fato de ter tentando se casar sem calcinha merecia uma surra. Foi um comportamento desprezível e repetido hoje no rádio, que ainda insulta a violência, e julga a mulher ainda merecedora de castigos e surras”, recriminou ela, sustentando que Agamenon havia também se utilizado de palavras de baixo calão para classificar a noiva citada.

A vereadora disse ainda que se sentiu atingida com o fato, e deixou o clima tenso na Câmara, desafiando: “hoje vim com vestido mais curto e com minha calcinha no meu bolso. E alguém aqui pode me chamar de vagabunda ou alguém pode dizer que tenho que ser surrada porque minha calcinha está no meu bolso? Os senhores não têm esse direito!”, bradou a vereadora em discursando da tribuna. “Os senhores não podem me julgar ou julgar mulher nenhuma em função da roupa que veste ou da calcinha que usa ou que não usa! Essa calcinha não define meu caráter”, completou ela. Lucimara foi aparteada pelos vereadores Emmanuel Nascimento e Iran Barbosa que concordaram com sua posição, mas negou abrir espaço para o vereador Agamenon, presente também ao plenário da Câmara.

Combate à violência
Na oportunidade, Lucimara destacou que desde 1981, a data 25 de novembro é marcada pelo o Dia Mundial do Combate à Violência contra Mulher, e abre um período de campanhas por este defesa até o dia 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos. “Essa luta é pela igualdade de gênero e de oportunidade, mas, sobretudo, é pela libertação da opressão dos homens. Infelizmente, ainda nos deparamos com homens que se utilizam da força física para violentar mulheres. E mais triste somos nós como legisladores vermos um vereador que se utiliza da tribuna desta Casa para estimular a violência como fez Agamenon na semana passada”, acusou ela.

Munida com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), referente ao tema, a parlamentar frisou a importância dessa luta em função da violência, que ainda é crescente. Na Tribuna, Lucimara mencionou que uma em cada três mulheres no mundo já sofreu violência física ou sexual, cerca de 120 milhões de meninas já foram submetidas a sexo forçado e 133 milhões de mulheres sofreram mutilação genital. “Não é à toa que esses dados são tão estarrecedores. Infelizmente, nós ainda nos deparamos com certo tipo de comportamento na sociedade que ainda enxerga a mulher de tal maneira que se reproduz com esse comportamento que julgo desprezível e abominável que incita a violência e  ela, na interpretação errônea de alguns, seja merecedora de castigo ou de surra”, dialoga.

A vereadora que já enfrentou diversos embates com o vereador Agamenon Sobral, disse que continua com seu protesto se retirando do plenário todas as vezes que o vereador se dirige à tribuna da Casa. “Fui diversas vezes agredida nessa tribuna e solicitei quebra de decoro e infelizmente até hoje não recebi resposta da comissão de ética, então vou continuar com meu discurso silencioso. Mas na minha visão essa Casa fechou os olhos com os crimes que esse vereador fez da tribuna”, disse ela cobrando providências.

Agamenon: “Sem calcinha, problema dela!”
Comentando a respeito, ainda em plenário, o vereador Agamenon julgou dispensável a presença de Lucimara Passos na Câmara. “Para mim a presença dela não influência em nada nesta Casa. E com relação à questão da calcinha, se ela acha interessante uma cidadã ir para igreja, em seu casamento, sem calcinha, é um direito dela. Como também é direito do povo e do vereador contestar. Sobre a Comissão de Ética, eu também quero que seja efetivada porque já cansei de provar razão várias vezes em tudo que trato aqui. Não tenho medo da comissão. E digo à vereadora Lucimara que ela venha para tribuna de calcinha ou sem, como quiser, o problema é dela!”, disse ele.

Agamenon Sobral faz chacota e joga `bom ar´ na Câmara
agamenon_sobral_bom_ar_camara_26112014 Vereador diz que é para limpar ‘sujeira’ da calcinha

O vereador Agamenon Sobral (PP) chegou a um outro extremo na manhã desta quarta-feira, 26, na C
âmara de Vereadores de Aracaju. Antes de usar a tribuna para falar sobre o relatório do Tribunal de Contas do Estado que revela irregularidades nos contratos de médicos com a rede pública, o parlamentar acionou o spray de um desodorizador e explicou, alegando que estaria desinfetando os efeitos da peça íntima “suja” exibida pela vereadora Lucimara Passos (PC do B),na manhã do dia anterior, para fazer um ato contra o pronunciamento de Sobral e de repúdio à violência contra a mulher.

O vereador chegou à Câmara de Vereadores com o desodorizador envolvido num envelope de cor amarela e subiu à tribuna do parlamento municipal, acionando o spray. Ele não explicou o motivo ao microfone, mas não se intimidou em justificar o gesto aos jornalistas. “A vereadora Lucimara Passos trouxe uma calcinha suja para o plenário ontem e infectou toda a Câmara, por isso vou usar o bom ar”, disse, sem esconder a ironia.

Esta última polêmica envolvendo Agamenon Sobral e Lucimara Passou ganhou repercussão negativa entre os próprios vereadores de Aracaju, mas nenhum deles [à exceção de Lucimara] se prontifica a abrir procedimento por quebra de decoro parlamentar contra Agamenon Sobral. É unânime, entre os vereadores ouvidos pelo Portal Infonet, que ambos cometeram excessos na tribuna da Câmara Municipal de Aracaju.

O presidente da Comissão de Ética, Agnaldo Feitosa (PR), considera que o exagero partiu da vereadora Lucimara Passos (PC do B) à medida que exibiu uma peça íntima na tribuna para fazer o protesto contra Agamenon Sobral. “Foi uma discussão que abalou a estrutura desta Casa. Ela [a vereadora Lucimara Passos] expôs esta Casa ao ridículo ao mostrar a peça íntima, que não precisava ser mostrada. Ela exagerou”, ressaltou o presidente da Comissão de Ética.

A vereadora Lucimara Passos revelou que abrirá novo procedimento junto à Comissão de Ética e vai adotar novos procedimentos contra o vereador Agamenon Sobral, uma vez que a Comissão de Ética está desativada por estar com sua composição incompleta. “Incitação à violência no Brasil é crime e ele [Agamenon Sobral] assinou este crime quando disse que a mulher que tentou casar sem calcinha merecia uma surra e após a surra de chicote jogar sal. Não dá para ouvir uma incitação dessa e ficar calada”, ressaltou a vereadora.

Ao Portal Infonet, Lucimara Passos informou que também pedirá a instalação de uma Comissão Processante no âmbito do Legislativo Municipal para apurar a conduta do vereador Agamenon Sobral e também provocará o Ministério Público para adoção de medidas judiciais.

Fonte: http://www.clicksergipe.com.br

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Assista a declaração polêmica de Agamenon:

Palitana a primeira cidade vegetariana do mundo

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Palitana-2

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Sim, ela existe! Na cidade de Palitana, na Índia, está proibida a venda de qualquer tipo de carne animal ou ovo para consumo. E mais: criar bichos para abate dentro do município também virou crime – mesmo se os produtores tiverem a intenção de exportar a carne para outros lugares.

A decisão foi tomada pelo governo, depois que cerca de 200 monges jainistas fizeram greve de fome para protestar contra o assassinato de animais na cidade. Segundo eles, Deus deu o direito de viver a todos os seres vivos e não cabe ao homem matar bichos para satisfazer uma vontade sua.

O governo do Estado de Gujarat achou o pedido justo e decretou, em agosto, que Palitana seria a primeira cidade vegetariana do mundo. E assim está sendo desde então!

A notícia agradou os cerca de 5 milhões de indianos que são adeptos do jainismo (a religião é uma das mais antigas do mundo e prega um caminho de não-violência para todos os seres vivos). Quem não segue a crença, no entanto, não gostou nem um pouco da medida.

Palitana tem cerca de 65 mil habitantes e, pelo menos, 25% deles são muçulmanos – e discordam da decisão do governo. Segundo eles, a maioria das pessoas que vivem na cidade não são vegetarianas e o Estado não tem o direito de controlar a dieta das pessoas. O grupo já entrou com pedido no Supremo Tribunal Federal, juntamente com todos os pescadores da região (que, claro, também não curtiram a ideia). Eles querem a anulação da medida instituída pelo Estado.

Fonte: http://www.thegreenestpost.com

Em entrevista o físico Lawrence Krauss diz: Deus não tem nada a ver com a criação do universo.

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O ateísmo militante está na moda. Depois do biólogo Richard Dawkins e do físico Stephen Hawking, chegou a vez de o cosmologista americano Lawrence Krauss atacar as crenças na existência de Deus. Krauss, de 57 anos, é mundialmente conhecido por seu trabalho teórico, por livros como A física de Jornada nas Estrelas e por seus programas no Discovery Channel. Em seu novo livro, A universe from nothing (Um universo a partir do nada, ainda inédito no Brasil), ele parte das leis da física para dizer que os mistérios em torno da origem do Universo são uma mistificação. Nesta entrevista, ele diz que a ciência finalmente é capaz de explicar como o Universo surgiu. “Os religiosos afirmam saber que Deus criou o Universo. Isso é preguiça intelectual”, afirma.

O que aprendemos sobre a origem do Universo, graças ao avanço da ciência, tornou obsoleta a crença em Deus?


Lawrence Krauss – Até o século XVI, a religião detinha o monopólio da explicação dos mistérios da criação. A responsabilidade pela criação de tudo era divina, e ai de quem duvidasse! Aquele monopólio da fé começou a ser solapado a partir da obra de Copérnico (Nicolau Copérnico, astrônomo polonês do século XV) e a de Galileu (Galileu Galilei, astrônomo italiano do século XVI), que substituíram o milagre metafísico pela realidade física. Quando, há 300 anos, Newton (Isaac Newton, físico e matemático inglês do século XVII) explicou que o movimento dos planetas podia ser compreendido por meio de leis físicas bem simples que não requeriam a intromissão dos anjos, tudo mudou. O avanço da física, da química e da biologia nos fez desvendar o funcionamento da matéria e dos fenômenos biológicos. Ao mesmo tempo, esse avanço foi reduzindo o alcance do termo milagre até deixá-lo restrito ao que teria existido antes do big bang, a explosão primordial que criou o Universo há 13,7 bilhões de anos. Agora, o milagre divino perdeu esse último bastião. A cosmologia do século XX chegou ao ponto em que podemos falar sobre a criação e a evolução de todo o Universo, um tema que não é mais do domínio exclusivo da teologia.

Os religiosos sempre disseram que há algumas questões fundamentais para as quais nenhuma teoria científica jamais encontrou respostas. Ainda não é o caso?


Krauss
 – Não é nem nunca foi o caso. A religião alegava ter as respostas para as perguntas mais básicas do Universo e da vida antes mesmo de essas perguntas terem sido feitas. A religião também afirma que suas respostas são verdades inquestionáveis. Ora, nós, cientistas, somos movidos pela dúvida. O que move nossa curiosidade é a busca de respostas para os mistérios da natureza. Sabemos que não temos todas as respostas e que as respostas que temos não são verdades definitivas. Que questões ficariam sem resposta? Só o tempo e o esforço concentrado de pesquisa dirão. Por isso, não podemos nos deixar satisfazer com as respostas científicas já reveladas nem descansar sobre os louros conquistados, relegando a busca de novas respostas que tenham o poder de revelar uma visão mais profunda da natureza.

Os religiosos afirmam que a humanidade jamais descobrirá as verdades mais fundamentais, como a origem do Universo e como surgiu a vida.


Krauss 
– Jamais saberemos se essas são de fato verdades inatingíveis se não tentarmos elucidá-las. Os religiosos afirmam que conhecem as verdades fundamentais… É inacreditável. Eles afirmam saber que Deus criou o Universo. Isso é preguiça intelectual. A ciência lida muito bem com a existência de mistérios à espera de ser revelados. Sempre haverá perguntas sem resposta e mistérios a descobrir. Os milagres se tornaram obsoletos.

A ciência ensina que o Universo começou com o big bang e que antes dele não havia nada.


Krauss 
– A ciência nos ensina que houve um big bang, mas não diz o que havia antes. Em meu livro, explico por que, com base nos conhecimentos de ponta atuais, é plausível imaginar a hipótese de que o Universo tenha surgido a partir do nada. E, a partir do nada, o Universo teria evoluído por meio de processos naturais que levaram à formação de átomos, moléculas, estrelas, planetas, galáxias e vida.

Como o Universo surgiu do nada?


Krauss
 – Nosso Universo tem todas as características de um universo criado a partir do nada. Uma das descobertas mais notáveis da física moderna é que o vácuo espacial não é vazio. O vácuo pode ser inteiramente vazio de matéria, mas não de energia. Se pudéssemos observar o vácuo em dimensões infinitamente pequenas e lapsos de tempo infinitamente curtos, muito menores e mais curtos do que a tecnologia atual é capaz de fazer, veríamos que o vácuo é tudo, menos estático, e que nele partículas pipocam a partir do nada e desaparecem instantaneamente. Em determinadas condições, entretanto, essas partículas virtuais não precisariam necessariamente desaparecer. Elas poderiam não só continuar existindo, como se multiplicar, dando origem a um big bang e a um novo universo em expansão. A evidência de que isso pode ter sido realmente o caso da origem de nosso Universo é um feito notável.

Aconteceu apenas uma vez? O pipocar de partículas não poderia ter criado outros universos?


Krauss 
– Sim, tudo leva a crer que é o caso, embora não tenhamos como provar. Podemos viver num “multiuniverso”. Nosso Universo pode ser apenas um entre infinitos outros de um “multiuniverso que é eterno e infinito”.

ÉPOCA – Os religiosos afirmam que Deus é anterior ao Universo e existiria antes do big bang.


Krauss
 – O principal problema dessa noção da criação é que ela requer a existência de alguma coisa que anteceda o Universo, de modo a poder criá-lo. É aí que quase sempre entra a noção de Deus, alguma entidade que existiria em separado do espaço, do tempo e da realidade física. Para mim, Deus não passa de uma solução semântica fácil para uma questão tão profunda como a criação. Os religiosos nunca tocam na questão da criação de Deus, pois essa é ainda mais confusa do que a solução religiosa que deram para a criação do Universo. Para os religiosos, Deus simplesmente existe, não importando quantas e quão fortes sejam as evidências que a ciência fornece para indicar a extrema improbabilidade de tal coisa ser verdade.

O Universo se expandirá para sempre? Num futuro remoto, as galáxias desaparecerão, as estrelas evaporarão e o cosmos voltará ao nada? Saber disso não torna a vida sem sentido?


Krauss 
– A vida não precisa ter nenhum sentido, a não ser aquele que damos a ela. Por que ficarmos deprimidos? Para mim, essa é uma imagem revigorante. Justamente porque a vida é efêmera, todos nós deveríamos tirar o máximo proveito do breve momento que desfrutamos sob o sol. Deveríamos aproveitar ao máximo o fato de evoluirmos com uma consciência que nos possibilita apreciar a beleza do cosmos, ao mesmo tempo que buscamos melhorar a vida na Terra. Prefiro viver num universo onde a vida é breve e preciosa a noutro onde o sentido da vida nos é ditado por um Saddam Hussein dos céus!

O senhor diz que vivemos num momento especial da história do Universo. Como assim?


Krauss 
– O Universo tem 13,7 bilhões de anos. Ele é muito antigo. Quando olhamos o infinito futuro a nossa frente, o Universo ainda é muito jovem. Todas as evidências de que um dia há 13,7 bilhões de anos aconteceu um big bang ainda podem ser vistas por meio de nossos observatórios astronômicos. É o que acontece quando os astrônomos verificam que todas as galáxias estão se afastando cada vez mais rápido umas das outras. Num futuro distante, as galáxias estarão tão longe de nossa Via Láctea que não poderão mais ser observadas. Elas desaparecerão no breu cósmico. Para todos os efeitos, será como se jamais tivessem existido. Uma civilização que viva num planeta da Via Láctea naquele futuro jamais saberá como o Universo surgiu.

Para entender e aceitar a origem do Universo como descrita pela ciência, é preciso ter bom nível cultural e intelectual, pois não se trata de conceitos simples. A religião lida com conceitos que podem ser apreendidos por qualquer criança.


Krauss 
– Ninguém precisa ser um especialista em cosmologia para apreciar o panorama do surgimento e da evolução do Universo, da mesma forma como não é preciso ser músico para apreciar a música de Bach (que, aliás, era muito complexa!). Sim, as versões da ciência são mais complicadas que as da religião, mas também são muito mais interessantes. O Universo tem uma imaginação muito maior que a nossa e seus fenômenos que observamos, como a explosão de supernovas ou a criação de buracos-negros, são muito mais fascinantes do que os contos de fadas criados por gente que viveu há milhares de anos, muito antes de descobrirmos que a Terra orbita o Sol e que não estamos no centro do Universo.

Nos últimos anos, muitos cientistas e intelectuais começaram a defender a bandeira do ateísmo. É o caso de dois célebres ingleses, o biólogo Richard Dawkins e o físico Stephen Hawking. O senhor pertence a esse movimento?


Krauss
 – Acho que sim. As pessoas com frequência me colocam ao lado de Dawkins e Hawking, o que me enche de orgulho. Mas prefiro pensar em mim não como um ateu, e sim como um antiteísta. Não posso provar sem sombra de dúvidas que Deus não existe, mas posso afirmar que preferiria muito mais viver num universo em que ele não exista.

Deus se tornou irrelevante para a humanidade?


Krauss
 – Porque eu penso que Deus é uma invenção da humanidade, minha resposta é não. Se existisse um Deus, ele certamente teria deixado de se preocupar com os desígnios do cosmos logo depois de criá-lo, há 13,7 bilhões de anos, pois tudo o que aconteceu desde então pode ser explicado pela ciência. Não, Deus talvez não seja irrelevante. Ele é redundante.

Fonte: http://revistaepoca.globo.com


A caixa de Pandora: as transformações de um símbolo mítico

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Sinopse

Publicada originalmente em 1955, esta obra-prima de erudição debruça-se sobre as variações do mito de Pandora nas artes plásticas e na literatura, acompanhando as transformações da figura mitológica que é indissociável de seu ato dramático: a abertura do vaso e a liberação dos males do universo.
Valendo-se de materiais heterogêneos – pinturas, gravuras, esculturas, logotipos editoriais, emblemas, poemas e peças teatrais – os autores procuram decifrar os sentidos diversos que o símbolo adquiriu ao longo do tempo. Originada na Grécia Antiga e relativamente esquecida pelos clássicos latinos e pela tradição medieval, a imagem ressurgiu no Renascimento, sobretudo em solo francês, migrando daí para o resto da Europa.
No curso desses trajetos, ela se associa a Eva, à alegoria da Esperança, ao corvo e a Psiqué. Dentre todas as representações destaca-se a de Erasmo de Rotterdam, que no século XVI articula a imagem da mulher ao objeto proibido.

Combinando pesquisa histórica e faro interpretativo apurado, Dora e Erwin Panofsky compõem uma interpretação que conjuga com maestria exame estilístico e perspectiva comparada. Nos termos de Leopoldo Waizbort:

“É esse interesse pela dimensão cultural, por um lado, e pelas condicionantes antropológicas, por outro, [...] que fundamenta uma história social da arte”.

Trecho

“Nenhum mito nos é mais familiar que o de Pandora, mas talvez nenhum outro tenha sido tão mal compreendido. Pandora é a primeira mulher, a maldade em forma de beleza, ou ‘belo mal’; ela abre a caixa proibida, de onde saem todos os males que a humanidade haveria de herdar; somente a Esperança permaneceu. A caixa de Pandora se tornou uma imagem proverbial, e o mais extraordinário é que Pandora jamais possuiu caixa alguma.”

Essa afirmação de Jane Harrison, feita há mais de cinquenta anos, continua tão válida hoje quanto ontem. No entanto, alguns aspectos relacionados com o mito de Pandora ainda exigem uma análise mais profunda. Por que Pandora se tornou famosa graças a um atributo que nem era uma caixa nem lhe pertencia realmente? Como se explica que, ao contrário de tantos outros personagens mitológicos, ela não apareça na arte medieval e só reapareça – melhor dizendo, renasça – em território francês e não na Itália? E por que, a despeito da enorme quantidade de livros e ensaios dedicados a demonstrar tanto sua importância na religião, na arte e na literatura gregas quanto seu significado na obra de Goethe que leva seu nome, persiste uma lacuna sobre o que se passou com o mito no interregno desses dois momentos da história da arte?

Numa tentativa de responder a essas perguntas, não nos estenderemos em questões controversas como se Pandora foi originalmente uma divindade da terra (e, nesse caso, seu nome deve ser interpretado como “a que tudo doa” e não como “a que é dotada de tudo”); nem se ela abriu seu vaso proibido imitando as filhas de Cécrops, que imprudentemente destamparam a cesta que continha o pequeno Erictônio; nem se pithoigía (abertura do recipiente) reflete um ritual ligado ao festival de Antestéria, equivalente grego do Halloween. Tampouco tentaremos dissipar a obscuridade que cerca o locus classicus, a famosa versão de Hesíodo da história de Pandora no livro Os trabalhos e os dias (complementada por uma passagem mais curta da Teogonia), que tem desafiado a criatividade dos intérpretes há mais de mil anos. Tendemos a pensar, como Schopenhauer e um bom número de estudiosos modernos, que a fábula de Bábrio, na qual o homem como tal (ánthropos) assume o lugar de Pandora e o vaso contém coisas boas em vez de coisas ruins, reflete melhor o sentido original do mito que a versão imposta à posteridade por Hesíodo. Mas temos de reconhecer que essa não é uma questão resolvível pelos historiadores da arte.

Começaremos, então, com um breve resumo das afirmações factuais sobre Pandora encontradas na literatura grega que nos parecem mais relevantes.

Primeiro, Pandora era a imagem de uma bela mulher, formada de terra e água, seja por Prometeu, o criador de todos os homens (de acordo com o que parece ser a tradição mais antiga), seja por Hefesto, instigado por um Zeus vingativo (de acordo com Hesíodo e com os seguidores de sua versão).

Segundo, essa imagem foi dotada de alma por Atena ou pelo próprio Prometeu – graças ao fogo roubado do céu -, e aperfeiçoada por todos os outros deuses, cada um dos quais lhe concedeu um dom apropriado (daí seu nome “Pandora”). E como os dons ofertados por Afrodite e Hermes eram mais nefastos que benéficos, o produto final se revelou um kalòn kakón, um “belo mal”.

Terceiro, Pandora foi transportada para a terra por Hermes e aceita como esposa por Epimeteu, irmão de Prometeu, apesar das advertências deste último. Dessa maneira, Pandora tornou-se mãe de todas as mulheres.

Quarto,enquanto vivia com Epimeteu, ela trouxe ao mundo o vício e a doença ao abrir um vaso fatal cujo conteúdo, à exceção da Esperança, no mesmo instante escapou e se dispersou no ar. De acordo com Hesíodo e a quase totalidade dos autores, o vaso continha originalmente todos os males; de acordo com Bábrio e um escritor menos renomado, Macedônio, o Cônsul, o recipiente continha todos os bens, mas jamais se disse, até onde sabemos, que nele estivesse uma combinação equilibrada do bem e do mal.

Quinto, esse recipiente é invariavelmente designado como um píthos (dolium em latim), um enorme vaso de barro usado para guardar vinho, azeite e outras provisões, com frequência descrito como grande o suficiente para servir de sepultura ou, mais tarde, de abrigo para os vivos. A tampa que impede a fuga da Esperança é descrita como “grande”.

Sexto, esse píthos (“que não é um vaso portátil”) nunca é apresentado como um objeto pertencente a Pandora, algo que ela tivesse trazido desde o monte Olimpo; ao contrário, parece evidente que o vaso fazia parte dos utensílios domésticos, por assim dizer, do casal Epimeteu e Pandora. Um autor, Filodemo de Gádara, chega a atribuir o ato de destampar o vaso ao marido, e não à esposa.

Sétimo, o motivo desse ato nunca é explicitado, com uma única exceção. Todos os autores deixam implícito que o motivo era a curiosidade, embora nenhuma das fontes clássicas mencione a existência de uma proibição formal de abrir o vaso. Somente Bábrio, que entende o mito não como uma narrativa sobre a fragilidade feminina mas como um comentário a respeito da escolha trágica do homem entre o conhecimento e o contentamento, faz uma afirmação explícita:

Zeus reuniu todos as coisas benfazejas no vaso e o entregou, fechado, ao homem. Mas o homem, incapaz de refrear seu desejo de saber, disse: “O que pode haver ali dentro?”. E então, levantando a tampa, lhes deu a liberdade de voar de volta para as moradas dos deuses, e elas assim fugiram da terra em direção aos céus. Só a Esperança permaneceu.

Entre os clássicos latinos, os registros são surpreendentemente escassos, o que pode ser uma das razões pelas quais os italianos nuncase sentiram à vontade com ela. Pandora não aparece nem em Ovídio, nem em Virgílio, Horácio, Lucano, Cícero, Sêneca, Martiano Capella ou Macróbio. Na verdade, o nome dela só é mencionado por quatro escritores romanos, dos quais apenas um alude de maneira rápida e confusa ao incidente do píthos.

Plínio assegura, como Pausânias, que a base do Partenon de Fídias, em Atenas, mostrava a “Criação [mais exatamente: A Outorga dos Dons] de Pandora perante Vinte Deuses”, mas demonstra escasso conhecimento do tema quando usa palavras gregas em vez de latinas (Pandoras genesim em lugar de Pandorae originem ou formationem), e quando salienta o fato de que está fazendo uma mera citação (apellant). Higino limita-se a dizer que, depois de Prometeu ter modelado o primeiro homem com o barro, Vulcano, a mando de Júpiter, confeccionou a imagem de uma mulher, igualmente de barro, “a quem Minerva deu uma alma e cada um dos outros deuses presenteou com um dom, razão pela qual ela recebeu o nome de Pandora”; e que “ela foi doada como esposa a Epimeteu, irmão de Prometeu”.

Atribuindo a Prometeu e não a Vulcano a criação de Pandora, Fulgêncio traduz o nome dela em grego como omnium munus, ou, em outra passagem, como universale munus, ao que acrescenta uma breve explicação alegórica: ela fora assim chamada “porque a alma é a mais geral das dádivas”. Mas em outro capítulo, ao tratar do nascimento de Erictônio, Fulgêncio a confunde com Pandroso, uma das filhas de Cécrops. O único escritor romano que menciona o tema do píthos é Porfírio, comentador de Horácio no século III. Tecendo divagações sobre Carmina I, 3, 29, ele escreve: “Hesíodo diz que quando Prometeu roubou o fogo do céu, enviou Pandora à terra como castigo; pois quando essa mulher abriu um vaso de mantimento, irromperam dali todos os tipos de pragas que afetam a humanidade”.
Isso é tudo o que os mitógrafos da Idade Média latina sabiam a respeito de Pandora. Na verdade, todo o conhecimento que tinham se reduzia (já que Porfírio parece ter sido desconhecido) ao que Fulgêncio escrevera. Um proto-humanista como Baudri de Bourgueil (1046-1130) conseguiu sintetizar a concepção do alto medievo sobre Pandora em dois versos mal escandidos, mas inequivocamente lisonjeiros:

A imagem que Prometeu forjou foi chamada “Pandora”,Dádiva de todas as coisas e bem geral.

O breve relato de Boccaccio em Genealogia deorum, ainda que baseado no mesmo texto de Fulgêncio e tão omisso sobre a história do píthos quanto as demais fontes medievais, trata Pandora de modo menos benevolente. Sempre pretendendo saber mais grego do que de fato sabia, Boccaccio não se satisfez com a explicação aceitável e reconhecida sobre o nome de Pandora como omnium munus (“dom de todos”, que nas primeiras edições da Genealogia foi impresso errado, como omnium minus, isto é, “desprovida de tudo”, e por isso foi traduzido como “manca d’ogni cosa” nas versões italianas). Como alternativa, Boccaccio propôs derivar o nome de Pandora de “pan, quod est totum, et doris, quod est amaritudo” [pan, que é tudo, e doris, que é amargura, dor]. Em consequência dessa estranha etimologia, Boccaccio interpreta o nome do primeiro ser humano – pois parece imaginar Pandora como homem, ou, pelo menos, como hermafrodita, já que numa determinada frase a chama de “Pandorus” – com o significado de “todo cheio de amargura”, e no final do capítulo faz uma referência a Jó.

Curiosamente, os patriarcas da Igreja são mais importantes para a transmissão – e transformação – do mito de Pandora que os escritores seculares: numa tentativa de corroborar a doutrina do pecado original recorrendo a um paralelo clássico, ainda que isso significasse opor a verdade cristã a uma fábula pagã, eles associaram Pandora a Eva, uma decisão cujas consequências só se fizeram sentir nos séculos XVI e XVII.
Em sua obra De corona militis, Tertuliano (que em outro texto se refere a Hesiodi Pandora como uma figura de retórica que denota a perfeita mistura ou fusão de todas as coisas, sendo por isso aplicável à perfeição e totalidade de Cristo) insiste, de maneira cordial, para não dizer humorística, que se deve atribuir a Eva e não a Pandora o primeiro e mais razoável emprego dos modos e ornamentos femininos:

Se realmente existiu um dia uma certa Pandora, citada por Hesíodo como a primeira mulher, foi dela a primeira cabeça que as Graças coroaram com um diadema; posto que todos lhe concederam dons e, por conseguinte, ela recebeu o nome de “Pandora”; mas Moisés – um pastor profético mais que um poeta – nos descreve a primeira mulher, Eva, ornada, mais apropriadamente, com folhas ao redor da cintura em vez de flores lhe cingindo as têmporas. Por isso, Pandora não existiu.

Foram os patriarcas gregos que salientaram o incidente do píthos. Gregório de Nazianzo, depois de apresentar Pandora como um exemplo de vaidade, fraude, impudor, narcisismo e lascívia, e chegando a superar Hesíodo quando a qualifica de “delícia mortal”, conclui lembrando aos crentes a Queda do Homem: “Mas ignoremos as fábulas e ouvi as palavras que vos trago a partir da revelação divina; não ouvistes como a brilhante cor da árvore fatídica levou vosso primeiro pai ao engano? Ele foi seduzido e expulso do Paraíso verdejante pela mentira do Inimigo e pelo conselho de sua mulher”. Orígenes compara explicitamente a história do píthos proibido com a do fruto proibido. No Livro IV de Contra Celsum, ele tenta refutar o adversário, que havia elogiado os mitos do “divino Hesíodo” como ideias filosóficas mascaradas de mitologia, ao mesmo tempo que ridicularizava o Gênese. Considerando isso injusto, Orígenes alega que a história de Adão e Eva não é menos suscetível a uma interpretação alegórica, nem menos carregada de “significado racional e transcendência secreta” que qualquer narrativa pagã sobre a criação do homem. Mas depois inverte a situação: a história de Adão e Eva, diz ele, pode “ofender a razão” se a aceitarmos de modo literal; a de Pandora, ao contrário, é pura e simplesmente divertida. À guisa de documentação – e talvez se divertindo um bocado com a história -, Orígenes repete todo o trecho de Os trabalhos e os dias, só interrompendo a narrativa para chamar a atenção para o efeito particularmente cômico, “risível”, do incidente do píthos, com o que propicia aos filólogos do futuro um bom número de excelentes leituras.

Fonte: http://www.companhiadasletras.com.br

A filósofa judia que se tornou inimiga nº 1 de Israel

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Judith Butler já foi chamada de praticamente tudo — idiota útil, sapatona desesperada por atenção, apoiadora do terrorismo. Mas a ofensa clássica é “self hating jew” (judia que se odeia).

Americana de origem judaica, ex-professora de Retórica e Literatura Comparada na Universidade de Berkeley, na Califórnia, autora de vários livros, feminista, antisionista, ela é inimiga pública da direita israelense por sua crítica da política de Israel no Oriente Médio e por ser vista como uma traidora.

Judith é integrante do movimento Boycott, Divestment and Sanctions (Boicote, Desinvestimento e Sanções). Há dois anos, ganhou o prestigiado prêmio Theodor W. Adorno e apanhou pesado. O jornal “Jerusalem Post” — o mesmo que publicou a entrevista com o ministro das relações exteriores de Israel classificando o Brasil de anão diplomático — deu um artigo assinado por intelectuais e políticos chamando-a, entre outras gentilezas, de antissemita.

Foi acusada também de defender o Hamas e o Hezbollah numa palestra — o que ela nega. Suas palestras nos EUA costumam acabar em confusão por causa de protestos.

Butler, cuja família do lado materno morreu num campo de concentração na Hungria, responde que é “doloroso alguém argumentar que quem formula críticas ao Estado de Israel seja antissemita ou, se judeu, autodesprezado.”

Em 2012, ela lançou “Parting Ways: Jewishness and the Critique of Zionism” (“Caminhos Partidos: Judaísmo e Crítica do Sionismo”), em que defendeu o binacionalismo em Israel. Para ela, a relação com o outro está no coração do que significa ser judeu: “Qualquer coabitação genuína necessita de uma mudança pessoal e social no tratamento de populações marginalizadas”, diz.

Sem romantismo, porém. “As pessoas que esperam que inimizade se transforme em amor de repente estão, provavelmente, usando o modelo errado. Vivermos uns com os outros pode ser infeliz, miserável, ambivalente, cheio até de antagonismo, mas não se pode recorrer à expulsão ou ao genocídio. Essa é a nossa obrigação.”

Em suas palestras, ela enfatiza o desconforto de ser uma judia que não se sente representada pelo estado de Israel. “Alguns políticos israelenses têm proposto a transferência de palestinos para fora do que é atualmente chamado Israel, para a Jordânia ou outros países árabes, segundo a idéia de que não haveria miscigenação de palestinos e judeus israelenses ou palestinos e comunidades judaicas”, afirma.

“Mas a segregação absoluta eu acho lamentável. Da mesma forma, há aquele famoso apelo do Hamas para empurrar os israelenses no mar. Agora, eu diria que a maioria dos políticos palestinos acreditam que não é isso que eles querem, e mesmo dentro do Hamas há alguma discussão sobre essa afirmação. Até que ela seja removida isso ainda será nocivo”.

“Acho que o que Hannah Arendt quis dizer quando falou que ‘não podemos escolher com quem convivemos no mundo’ é que todos aqueles que habitam o mundo têm o direito de estar aqui, em virtude de já estarem aqui. O ponto dela é que o genocídio não é uma opção legítima. Não é ok decidir que uma população inteira não tem o direito de viver no mundo. Não importa se essas relações são muito próximas ou muito distantes, não há direito de expurgar uma população ou rebaixar sua humanidade básica.”

Em sua opinião, existe uma saída em Israel. “Primeiro, é preciso estabelecer uma base constitucional sólida para a igualdade de todos os cidadãos, independentemente de qual possa ser que a sua religião, sua etnia ou raça”.

Depois, “é preciso acabar com a ocupação, que é ilegal e uma extensão de um projeto colonial”. Finalmente, ela propõe o direito de retorno, segundo o qual os palestinos sejam indenizados ou retornem, não necessariamente para as casas em que moravam”.

Judith Butler admite que talvez proponha uma utopia. Mas essa á função da filosofia: “Elevar os princípios que parecem impossíveis, ou que têm o status de impossíveis, insistir neles e reforçá-los, mesmo quando parece altamente improváveis. O que aconteceria se vivêssemos num mundo em que ninguém fizesse isso? Seria um mundo mais pobre”.

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br

Os cultos e refinados Filisteus

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O rei Saul e seus guerreiros na narrativa bíblica, o governante israelita é degolado pelos filisteus

O rei Saul e seus guerreiros na narrativa bíblica, o governante israelita é degolado pelos filisteus

O rei Saul e seus guerreiros: na narrativa bíblica, o governante israelita é degolado pelos filisteus

por Elisabeth Yehuda

Para o senso comum, a palavra “filisteu” designa um indivíduo inculto e carente de inteligência, com interesses vulgares e puramente materiais. Um sujeito convencional, desprovido de toda e qualquer capacidade intelectual. Porém, para os arqueólogos, o termo evoca algo muito diferente.

Ecron, Gath, Gaza, Ashcalon e Ashdod são nomes que os estudiosos da Bíblia e da história de Israel sabem de cor. Representam as localidades que constituíram, a certa época, a aliança política e econômica entre cinco cidades-estado autônomas na costa sul do Levante, conhecida como a pentápole filistina. A região era habitada por povos oriundos do Egeu, os filisteus, que se estabeleceram definitivamente no local durante a Idade do Bronze tardia.

De Josué a Jeremias, o Antigo Testamento sistematicamente os descreve como inimigos mortais dos hebreus. São apresentados como guerreiros incansáveis, que combatem e humilham cruelmente os israelitas, oferecendo ao deus Dagan todos os bens alheios saqueados. Em uma das inúmeras guerras travadas entre os dois povos, os cadáveres degolados do rei Saul e de seus filhos ficaram friamente expostos diante das muralhas da cidade de Beth Shean. Porém, a vingança dos israelitas, ou melhor, de seu deus Jeová, não foi menos atroz: segundo a narrativa bíblica, o povo inimigo sofreu moléstias, ulcerações e chagas. Davi, por ocasião de seu casamento com Michal, filha de Saul, presenteou sua noiva com o prepúcio de 200 filisteus mortos. Nos tempos em que ainda pastoreava as ovelhas de seu pai, Jessé, ele já havia sido protagonista de um célebre embate, em que demonstrou ao amedrontado exército israelita que bastava uma funda para dobrar a força filistina, encarnada no gigante Golias. Outro personagem conhecido da querela, Sansão, escolhido de Deus, viveu a amarga experiência de que nem sempre é vantajoso desposar uma mulher da tribo inimiga.

Não fossem os autores do Livro Sagrado judaico, os filisteus permaneceriam tão desconhecidos como inúmeros outros povos da época. Mas os escribas bíblicos consideraram-nos dignos de nota e desde então, graças ao caráter das descrições a eles dedicadas, os povos do mar gozam da inglória fama de incultos e bárbaros. No entanto, os achados arqueológicos trazem à luz a avançada cultura filistina e comprovam que a tribo sabia perfeitamente se portar como povo civilizado.

Em finais do século XII a.C., o faraó Ramsés III ergueu o templo mortuário em Medinet Habu. Ali, o governante quis perpetuar seu nome e feitos heróicos e, para tanto, decorou as paredes externas do mausoléu com preciosos relevos, representando as cenas de suas inúmeras glórias. Os frisos são acompanhados de textos explicativos, que descrevem minuciosamente cada uma das batalhas vencidas. Entre eles, a história das pelejas contra os povos do mar.

Nas paredes construídas por Ramsés III, hieroglifos recontam as disputas do século XII a.C.

Nas paredes construídas por Ramsés III, hieroglifos recontam as disputas do século XII a.C.hados de textos explicativos, que descrevem minuciosamente cada uma das batalhas vencidas. Entre eles, a história das pelejas contra os povos do mar.

Por volta de 1190 a.C., no oitavo ano de reinado de Ramsés III, o Egito foi atacado por uma coalizão de povos marítimos. O faraó massacrou os invasores e contabilizou uma retumbante vitória. Entre os derrotados, havia tribos de nomes tão sonoros como Thekker, Shekelesh, Denyen, Wesheh e Peleset. Os estudiosos concordam que estes últimos são idênticos aos filisteus da Bíblia.

O quadro é complementado pelo Papiro Harris, uma crônica da época de Ramsés IV – aproximadamente 1153 a.C. –, que detalha ainda mais os conflitos bélicos ocorridos durante o reinado de seu predecessor. Os documentos relatam o massacre empreendido por Ramsés III. Vencidos e aprisionados, os filisteus foram levados à força para guarnições no Egito.

Mas a dúvida permanece: até que ponto os construtores de Medinet Habu e os escribas do papiro foram fiéis à realidade? Afinal, a narração de batalhas indecisas ou de vitórias dos rebeldes não seria benéfica à gloriosa memória do faraó. A ciência concorda que a questão é controversa. Há décadas, os estudiosos discutem o teor de verdade dos textos. Parte dos pesquisadores argumenta que não há exageros nos relatos, e que o faraó egípcio teria, de fato, trucidado os filisteus e colonizado as guarnições com os sobreviventes. As imagens e a narrativa que chegaram à atualidade demonstram que os povos do mar não avançaram rumo ao Egito somente com seus exércitos, mas com carruagens cheias de mulheres e crianças. Porém, se populações inteiras se mobilizaram em direção a terras estrangeiras, tendo sido interceptadas pelos egípcios e obrigadas a se estabelecer nos domínios do faraó, algum vestígio concreto dessa colonização deveria permanecer. E o Egito não guarda remanescentes da cultura filistina, que aparece mais nítida em outros locais.

Philistine, relief / Medinet Habu

No templo Medinet Habu, inscrição retrata prisioneiros filistinos libertados

Um segundo grupo de estudiosos considera a tese de assentamento compulsório dos povos do mar bastante plausível, mas argumenta que a descrição do local de colonização é muito vaga. Esses pesquisadores ponderam que os filisteus podem ter sido levados a algum lugar ao norte do reino egípcio. E como este era bastante vasto, não é impossível que a Terra de Canaã, sob domínio do Egito nos tempos de Ramsés III, tenha sido o local do desterramento. Os sepultamentos ao estilo egípcio lá encontrados, possivelmente herdados pelos recém-chegados de seus dominadores, e os objetos escavados na região juntamente com peças de cerâmica moldadas à moda filistina depõem a favor dessa teoria.

Uma terceira linha de pesquisa coloca em dúvida as conquistas e relatos de glória de Ramsés III. Segundo seus defensores, os egípcios não saíram de modo nenhum vitoriosos das batalhas contra os filisteus e estes teriam colonizado a região de Canaã por conta própria. As marcas de destruição nos postos egípcios avançados, como em Tel el-Farah, nos quais foi encontrada cerâmica tipicamente filistina, parecem comprovar essa hipótese.

A origem dos povos do mar é mais um assunto de disputa entre os estudiosos, que concordam apenas sobre o espaço do Egeu como local de procedência. Alguns pesquisadores consideram a região micênica como berço dos filisteus. Outros, mais cuidadosos, defendem uma opinião conservadora: a pátria dos povos do mar seria Chipre. E há ainda os audazes, que consideram que a colonização de Canaã se deu a partir da Anatólia. Estes chegam a lançar mão da Ilíada de Homero como repositório de informações sobre a origem filistina. Afinal, se o famoso arqueólogo alemão Heinrich Schliemann conseguira encontrar Tróia guiado pelos versos do grande poeta grego, então não parece impossível que Menelau ou Odisseu, que depois de intermináveis périplos haviam atracado nas costas da Líbia e do Egito, tenham sido os ancestrais dos filisteus.

O registro arqueológico só reconstitui a origem filistina até Chipre, a última estação inquestionavelmente pertencente aos povos do mar em sua peregrinação rumo ao sul. Depois disso, qualquer tentativa de relacionar os diversos achados fracassa em função da semelhança dos supostos vestígios com os remanescentes de outras culturas oriundas do Egeu.

Medinet Habu/Totentempel Rames III./Foto - Medinet Habu/Mortuary te.Rames III/Photo -

Em Medinet Habu, o faraó perpetuou sua suposta vitória sobre os povos do mar

No Levante, os recém-chegados filisteus realizaram mais do que simplesmente amedrontar os nativos. Traziam na bagagem sua própria cultura e esforçaram-se por estabelecê-la no novo lar. Mas eis que surge nova matéria de controvérsia entre os estudiosos. Uns acreditam que o desenvolvimento que se seguiu representa mera assimilação, com a crescente dissolução dos costumes filistinos. Outros consideram tratar-se de uma aculturação, isto é, uma troca ativa entre duas ou mais culturas, resultando na modelagem de cada uma delas.

De todo modo, o que parece certo é que, embora os filisteus tenham vindo como conquistadores, logo trataram de se arranjar com os hábitos de Canaã. Adotaram os elementos que consideraram bons e práticos e mantiveram aquilo que lhes era caro. Assim, seus deuses são todos de origem cananéia, bem como os parâmetros de guerra que passaram a usar, como se pode verificar pela armadura ostentada por Golias no relato bíblico. A cerâmica, no entanto, foi considerada demasiadamente simples, e os filisteus continuaram a moldar suas peças de acordo com suas antigas técnicas e tradições. As escavações na pentápole filistina trouxeram à tona uma enorme quantidade de peças em estilo micênico. Porém, um século depois do assentamento inicial, parece haver ocorrido o reconhecimento do valor da cerâmica cananéia e a incorporação de novos elementos estilísticos, levando a uma produção que unia os estilos micênico, cipriota, cananeu e egípcio.

Possivelmente, a ojeriza bíblica aos filisteus se relaciona menos com sua propalada violência bélica e mais com os seus hábitos. Seu cardápio incluía – além de boi, carneiro, aves e cabra – carne de porco, ingrediente culinário impensável para os hebreus e não encontrado nas montanhas vizinhas, habitadas pelos israelitas.

Se considerarmos que os filisteus não veneravam um único deus patriarcal mas uma grande quantidade de deuses e deusas, a indignação sacerdotal hebraica se torna ainda mais compreensível. A segunda mais importante divindade filistéia respondia ao sonoro nome de Baal-Zebub e os israelitas consideravam esse deus a personificação do paganismo. Hoje, belzebu é um nome corriqueiro para o diabo.

Embora sua engenhosidade não tenha sido reconhecida pelos moradores da montanha, os invasores destacaram-se na arte da construção naval, introduzindo grandes inovações tais como a âncora de pedra com braços de madeira, a vela móvel para as embarcações e o cesto da gávea.

A arquitetura também pôde se beneficiar: até então, a construção fazia uso apenas de pedras brutas e tijolos. Os povos do mar trouxeram a técnica de esculpir grandes blocos rochosos. Além disso, desenvolveram e aperfeiçoaram o processamento de metais.

Em XI a.C., as cidades filistéias floresceram e destacavam-se pelos espaços amplos e pelas generosas construções. Os templos, erguidos em veneração a Dagan, impressionavam pela vastidão de suas galerias, cujas pilastras sustentavam tetos semi-abertos. Em seu interior, ardiam fogos sagrados, e altares móveis, nichos e plataformas de oração guarneciam os locais de culto. Em Ashcalon, vinhos exóticos eram produzidos e exportados. Numerosas garrafas foram desenterradas no local, comprovando que os habitantes dessa cidade gostavam de consumir a bebida, além da tradicional cerveja. Ecron, por sua vez, alcançou fama nacional e talvez até internacional pela produção de outro líquido precioso: o óleo de oliva, que se destacou na época pela excepcional qualidade.

No século X a.C., quando da unificação das tribos israelitas sob o rei Davi, os filisteus foram colocados diante de uma grande dificuldade, com a força multiplicada dos hebreus ameaçando-os. Além destes, os arameus, babilônios e assírios foram de igual importância para sua decadência. Os arameus, por exemplo, não mediram esforços para conquistar a cobiçada Gath e, no século IX a.C., chegaram a sitiá-la, escavando um poço com mais de seis metros de profundidade e sete de largura. Após ser tomada, a cidade nunca mais se recuperou da destruição, desaparecendo dos registros por volta do século VII a.C. A última menção a ela ocorre em 712 a.C., quando foi conquistada pelos assírios e obrigada a pagar pesados tributos ao rei Sargão II, que no mesmo período dobrou Ecron ao seu jugo. Ashdod já havia se tornado província assíria um ano antes. Em 701 a.C. , o soberano de Ecron, o filisteu Padi, foi levado a Jerusalém por Hezekiah, rei judaico que se rebelara contra os assírios.

A derrocada ocorreu ao final do século VII a.C. A batalha de Karkemish, travada em 605 a.C., derrubou o domínio assírio sobre as províncias da costa mediterrânea e abriu caminho ao rei babilônio Nabucodonosor. Com sua chegada, Ecron, Ashdod e Ashcalon, sofreram a derradeira destruição. As escavações testemunham o cenário de horror que se estabeleceu. Ashcalon, com suas ruas de comércio, templos e palácios, foi inteiramente incendiada. Nada nem ninguém foi poupado, e os sítios arqueológicos atestam a existência somente de escombros de guerra. Em Ecron, o fogo dos conquistadores ardeu com tamanha intensidade que arrebentou as pedras calcárias das construções. Nenhuma peça de cerâmica permaneceu inteira, comprovando a violência do assalto que se abateu como uma catástrofe natural sobre a cidade. Depois da completa destruição, os poucos moradores sobreviventes foram aprisionados e deportados para a Babilônia.

A cultura filistina chegava, assim, ao seu ponto final. E, ao contrário dos israelitas, que haviam sofrido destino semelhante mas aos quais, depois de 70 anos de prisão, foi aberta a possibilidade de retornar a sua pátria, os filisteus que não haviam sucumbido ao massacre nunca mais voltaram à Palestina natal. Deles resta somente o relato antipático da Bíblia e o papel de personificação do mal e da estupidez.

Fonte: http://www2.uol.com.br/

Pernambuco negro: roteiro pela cultura e costumes afro

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por Carolina Braga

Nossa cultura é preta. Muitos costumes cotidianos atuais nasceram do convívio entre negros e índios quando foram escravizadas no Brasil. Apesar de serem mais visíveis em festejos e folguedos, muitas das manifestações da cultura popular são fruto da experiência de homens e mulheres que resistiram fazendo rituais da própria cultura e religiosidade, mesmo em uma terra diferente, marcada por imposições de costumes cristãos.

Também buscaram transformar a batalha diária em diversão, como o é o caso dos trabalhadores rurais, com a exploração da cana-de-açúcar e a criação do Cavalo Marinho e do Maracatu Rural, ou a resistência negra quilombola, com o jogo de capoeira. Das histórias indígenas, quem nunca escutou os feitos do Curupira, da Comadre Fulozinha, do Saci Pererê e dos caboclos do mato?

Durante o ciclo junino também há no Candomblé comemorações da colheita do milho verde, com comidas a base de milho como a canjica e a pamonha, que são consideradas iguarias para agradar Xangô, orixá do fogo, da justiça, da fartura. Nos terreiros de Candomblé, a pipoca também é comumente utilizada em rituais de limpeza do corpo, ou é oferecida a Omulu, orixá da cura, de acordo com a professora doutora em História Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Valéria Costa, autora da tese Trajetórias negras: os libertos da Costa d’África no Recife (1846-1890).

O acarajé também é outra comida feita nos terreiros para ser ofertada a Iansã, orixá dos ventos da tempestade, senhora dos mortos (eguns). “Várias pessoas, independente de sua prática religosa, consomem pipoca, canjica, pamonha, acarajé… E por mais que sejam aversas às religões de matriz africanas, estão partilhando de hábitos desta religião tão fascinante, que mantém vínculo intimo com a natureza”, diz a professora.

Além da ligação com a espiritualidade, com o sagrado, com a promoção da cultura e com orientação político-social, os terreiros também são importantes para a alimentação e combate à fome e à pobreza dentro das comunidades. Segundo a “Pesquisa Socioeconômica e Cultural das Comunidades Tradicionais de Terreiro de Recife e Região Metropolitana”, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), com parceria com a UNESCO, em 2011, ao todo, 92% dos terreiros das quatro regiões metropolitanas pesquisadas (Recife, Belém, Belo Horizonte e Porto Alegre) têm ações de preparo e distribuição de comidas para as famílias do entorno.

Em Pernambuco, as danças e músicas da cultura popular como maracatu, coco, caboclinho, ciranda e cavalo marinho não apenas representam manifestações tradicionais de resistência por si só, mas influenciaram diversos movimentos musicais. “As tradições populares, mantidas principalmente nas periferias, oriundas dos negros e dos índios, influenciaram, por exemplo, o Movimento Mangue, dando visibilidade internacional e acadêmica à cultura popular. A cultura pernambucana é espetáculo, é tese de doutorado. Só falta mais apoio do governo para os projetos”, argumenta o percussionista, integrante do Maracatu Estrela Brilhante, da Escola de Samba Galeria do Ritmo do Morro da Conceição e ex-Cascabulho, Jorge Martins.

Segundo a professora Valéria Costa, é importante que as pessoas conheçam e respeitem as diferenças culturais. “É importante acabar com o preconceito e desmistificar as inverdades e ilusões que a cultura judáico-critã semeou na sociedade. Africanos e indígenas fazem parte de nosso povo, foram os fomentadores do que somos hoje em dia. Na medida em que a sociedade for conhecendo mais sobre a culura negra e indígena, violências como o racismo e a intolerância religiosa vão sendo amenizadas, quiçá, estringuindo-se de nosso convívio.”

Na Região Metropolitana do Recife, inúmeros lugares mantém a tradição negra seja nos cultos religiosos, manifestações musicais e de dança, ou junto a projetos socio-culturais. Quer conhecer mais sobre a cultura e religião de matriz afro-indígena? Preparamos um roteiro cheio de toques, coco, capoeira, maracatu e história.

 

Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br

Leonardo Boff, sobre Marina: “Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar”

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por Conceição Lemes

Leonardo Boff é um dos mais brilhantes e respeitados intelectuais do Brasil. Teólogo, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação. Ficou conhecido pela sua história de defesa intransigente das causas sociais. Atualmente dedica-se sobretudo às questões ambientais.

Ele conhece Marina Silva, candidata do PSB à Presidência da República, desde os tempos em que ela atuava no  Acre e estava muito ligada à Teologia da Libertação. Acompanhou toda a sua trajetória.

Em 2010, chegou a sonhar com uma representante dos povos da floresta, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à escravidão,  chegar a presidente do Brasil. Hoje, não.

“Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar”, observa Boff em entrevista exclusiva ao Viomundo.

Para Boff, Marina acolheu plenamente o receituário neoliberal.

“Ela o diz com certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente significa: mercado livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos professores, menos agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação com a eventual alta de juros”, alerta.  “Como consequência, arrocho salarial, desemprego, fome nas famílias pobres, mortes evitáveis. É o pior que nos poderia acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de ‘austeridade fiscal’ que está afundando as economias da zona do Euro”.

Sobre a  autonomia do Banco Central prevista no programa de Marina, Boff detona:  “Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista nacional e transnacional. A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle os Bancos Centrais dos países”.

Veja a íntegra da nossa entrevista. Nela, Leonardo Boff aborda o  recuo de Marina em relação à criminalização da homofobia, a sua trajetória religiosa, a influência de Silas Malafaia, Neca Setúbal (Banco Itaú), Guilherme Leal (Natura) e do economista neoliberal Eduardo Gianetti da Fonseca. Também a autonomia formal do Banco Central e o risco de ela sofrer impeachment.

Viomundo — Na última sexta-feira, Marina lançou o seu programa de governo, que previa o reconhecimento da união homoafetiva e a criminalização da homofobia. Bastou o pastor Malafaia tuitar quatro frases para ela voltar atrás. O que achou dessa postura? É cristão não criminalizar a homofobia, que frequentemente provoca assassinatos?

Leonardo Boff — Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar. Numa ocasião, ela chegou a declarar que um dos objetivos desta eleição é tirar o PT do poder, o que faz supor mágoas não digeridas contra o PT que ajudou a fundar.

O Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus à qual Marina pertence, é o seu Papa. O Papa falou, ela, fundamentalisticamente obedece, pois vê nisso a vontade de Deus. E, aí, muda de opinião. Creio que não o faz por oportunismo político, mas por obediência à autoridade religiosa, o que acho, no regime democrático, injustificável.

Um presidente deve obediência à Constituição e ao povo que a elegeu e não a uma autoridade exterior à sociedade.

Viomundo — Qual o risco para a democracia brasileira de alguém na presidência estar submissa a visões tão retrógradas em pleno século XXI, ignorando os avanços, as modernidades?

Leonardo Boff — Um fundamentalista é um dos atores políticos menos indicado  para exercer o cargo da responsabilidade de um presidente. Este deve tomar decisões dentro dos parâmetros constitucionais, da democracia e de um estado laico e pluralista. Este tolera todas as expressões religiosas, não opta por nenhuma, embora reconheça o valor delas para a qualidade ética e espiritual da vida em sociedade.

Se um presidente obedece mais aos preceitos de sua religião do que aos da Constituição, fere a democracia e entra em conflito permanente com outros até de sua base de sustentação, pois os preceitos de uma religião particular não podem prevalecer sobre a totalidade da sociedade.

A seguir estritamente nesta linha, pode acontecer um impeachment à Marina, por inabilidade de coordenar as tensões políticas e gerenciar conflitos sempre presentes em sociedades abertas.

 Viomundo — Lá atrás Marina Silva esteve ligada à Teologia da Libertação. Atualmente, é da Assembleia de Deus. O que o senhor diria dessa trajetória religiosa? O que representa essa guinada para o conservadorismo exacerbado?

Leonardo Boff – Respeito a opção religiosa de Marina bem como de qualquer pessoa. Eu a conheço do Acre e ela participava dos cursos que meu irmão teólogo Frei Clodovis (trabalhava 6 meses na PUC do Rio e 6 meses na igreja do Acre) e eu dávamos sobre Fé e Política e sobre Teologia da Libertação.

Aqui se falava da opção pelos pobres contra a pobreza, a urgência de se pensar e criar um outro tipo de sociedade e de país, cujos principais protagonistas seriam as grandes maiorias pobres junto com seus aliados, vindos de outras classes sociais. Marina era uma liderança reconhecida e amada por toda a Igreja.

Depois, ao deixar o Acre, por razões pessoais, converteu-se à Igreja Assembleia de Deus. Esta se caracteriza por um cristianismo fundamentalista, pietista e afastado das causas da pobreza e da opressão do povo. Sua pregação é a Bíblia, preferentemente o Antigo Testamento, com uma leitura totalmente descontextualizada daquele tempo e do nosso tempo. Como fundamentalista é uma leitura literalista, no estilo dos muçulmanos.

Politicamente tem consequências graves: Marina pôs o foco no pietismo e no fundamentalismo, na vida espiritual descolada da história presente e quase não fala mais da opção pelos pobres e da libertação. Pelo menos não é este o foco de seu discurso.

A libertação para ela é espiritual, do pecado e das perversões do mundo. Com esse pensamento é fácil ser capturada pelo sistema vigente de mercado, da macroeconomia neoliberal e especulativa.

Isso é inegável, pois seus assessores são desse campo: a herdeira do Banco Itaú Maria Alice (Neca), Guilherme Leal da Natura e o economista neoliberal Eduardo Gianetti da Fonseca. Os pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora.

E eu que em 2010 sonhava com uma representante dos povos da floresta, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à escravidão, dos operários explorados das grandes fábricas, dos invisíveis, alguém que viria dos fundos da maior floresta úmida do mundo, a Amazônia, chegar a ser presidente de um dos maiores países do mundo, o Brasil?! Esse sonho foi uma ilusão que faz doer até os dias de hoje. Pelo menos vale como um sonho que nunca morre!

Viomundo — O programa de Marina prevê autonomia ao Banco Central. O que acha dessa medida?

Leonardo Boff — Eu me pergunto, autonomia de quem e para quem?

Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista nacional e transnacional. Um presidente/a é eleito para governar seu povo e um dos instrumentos principais é o controle monetário que assim lhe é subtraído. Isso é absolutamente antidemocrático e comporta submissão à tirania das finanças que são cada vez mais vorazes, pondo países inteiros à falência como é o caso da Grécia, da Espanha, da Itália, de Portugal e outros.

Viomundo — Essa medida expressa a influência de Neca Setúbal, herdeira do Itaú, no seu futuro governo?

Leonardo Boff — Quem controla a economia controla o país, ainda mais que vivemos numa sociedade de “Grande Transformação” denunciada pelo economista húngaro-americano Karl Polaniy ainda em 1944 quando, como diz, passamos de uma sociedade com mercado para uma sociedade só de mercado. Então tudo vira mercadoria, inclusive as coisas mais sagradas como água, alimentos, órgãos humanos.

A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle os Bancos Centrais dos países. A partir desse controle, estabelecem os níveis dos juros, a meta da inflação, a flutuação do dólar e a porcentagem do superávit primário (aquela quantia tirada dos impostos e reservada para pagar os rentistas, aqueles que emprestaram dinheiro ao governo).

Os bancos jogam um papel decisivo, pois é através deles que se fazem os repasses dos empréstimos ao governo e se cobram juros pelos serviços. Quanto maior for o superávit primário a alíquota Selic mais lucram. Pode ser que a citada Neca Setúbal tenha tido influência para que a candidata Marina acreditasse neste receituário, velho, antipopular, danoso para as grandes maiorias, mas altamente benéfico para o sistema macroeconômico vigente.

Viomundo — As avaliações feitas até agora mostram que o programa econômico de Marina é o mesmo de Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência. São neoliberais. O que representaria para o Brasil o retorno a esse modelo? O senhor acha que, se eleita, o governo Marina teria conotações neoliberais?

Leonardo BoffMarina acolheu plenamente o receituário neoliberal. Ela o diz com certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente significa: mercado livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos professores, menos agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação com a eventual alta de juros.

Como consequência, arrocho salarial, desemprego, fome nas famílias pobres, mortes evitáveis. É o pior que nos poderia acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de “austeridade fiscal” ,que está afundando as economias da zona do Euro e não deram certo em lugar nenhum do mundo, se olharmos a política econômica a partir da maioria da população. Dão certo para os ricos que ficam cada vez mas ricos, como é o caso dos EUA onde 1% da população ganha o equivalente ao que ganham 99% das pessoas. Hoje os EUA são um dos países mais desiguais do mundo.

Viomundo – Foi amplamente divulgado que Marina consulta a Bíblia antes de tomar decisões complexas. Esta visão criacionista do mundo é compatível com um mundo laico?

Leonardo Boff — O que Marina pratica é o fundamentalismo. Este é uma patologia de muitas religiões, inclusive de grupos católicos. O fundamentalismo não é uma doutrina. É uma maneira de entender a doutrina: a minha é a única verdadeira e as demais estão erradas e como tais não têm direito nenhum.

Graças a Deus que isso fica apenas no plano das ideias. Mas facilmente pode passar para o plano da prática. E, aí, se vê evangélicos fundamentalistas invadirem centros de umbanda ou do candomblé e destruírem tudo ou fazerem exorcismos e espalharem sal para todo canto. E no Oriente Médio fazem-se guerras entre fundamentalistas de tendências diferentes com grande eliminação de vidas humanas como o faz atualmente o recém-criado Estado Islâmico. Este pratica limpeza étnica e mata todo mundo de outras etnias ou crenças diferentes das dele.

Marina não chega a tanto. Mas possui essa mentalidade teologicamente errônea e maléfica. No fundo, possui um conceito fúnebre de Deus. Não é um Deus vivo que fala pela história e pelos seres humanos, mas falou outrora, no passado, deixou um livro, como se ele nos dispensasse de pensar, de buscar caminhos bons para todos.

O primeiro livro que Deus escreveu são a criação e a natureza. Elas estão cheias de lições. Criou a inteligência humana para captarmos as mensagens da natureza e inventarmos soluções para nossos problemas.

A Bíblia não é um receituário de soluções ou um feixe de verdades fixadas, mas uma fonte de inspiração para decidirmos pelos melhores caminhos. Ela não foi feita para encobrir a realidade, mas para iluminá-la. Se um fundamentalista seguisse ao pé da letra o que está escrito no livro Levítico 20,13 cometeria um crime e iria para a cadeia, pois aí se diz textualmente:  “Se um homem dormir com outro, como se fosse com mulher, ambos cometem grave perversidade e serão punidos com a morte: são réus de morte”.

Viomundo — Marina fala em governar com os melhores. É possível promover inclusão social, manter políticas que favorecem os mais pobres com uma política econômica neoliberal?

Leonardo Boff — Marina parece que não conhece a realidade social na qual há conflitos de interesses, diversidade de opções políticas e ideológicas, algumas que se opõem completamente às outras.

Lendo o programa de governo do PSB de Marina parece que fazemos um passeio ao jardim do Éden. Tudo é harmonioso, sem conflitos, tudo se ordena para o bem do povo. Se entre os melhores estiver um político, para aceitar seu convite, deverá abandonar seu partido e com isso, segundo a atual legislação, perderia o mandato.

Ela necessariamente, se quiser governar, deverá fazer alianças, pois temos um presidencialismo de coalizão. Se fizer aliança com o PMDB deverá engolir o Sarney, o Renan Calheiros e outros exorcizados por Marina. Collor tentou governar com base parlamentar exígua e sofreu um impeachment.

Viomundo — Marina é preparada para presidir um país tão complexo como o Brasil?

Leonardo Boff — Eu pessoalmente estimo sua inteireza pessoal, sua visão espiritualista (abstraindo o fundamentalismo), sua busca de ética em tudo o que faz. Estimo a pessoa,  mas questiono o ator político. Acho que não tem a inteligência política para fazer as alianças certas. O presidente deve ser uma pessoa de síntese, capaz de equilibrar os interesses e resolver conflitos para que não sejam danosos e chegar a soluções de ganha-ganha. Para isso precisa-se de habilidade, coisa que em Lula sobrava. Marina, por causa de seu fundamentalismo, não é uma pessoa de síntese,  mas antes de divisão.

Viomundo — A preservação efetiva do meio ambiente é compatível com o capitalismo selvagem dos neoliberais?

Leonardo Boff — Entre capitalismo e ecologia há uma contradição direta e fundamental. O capitalismo quer acumular o mais que pode sem qualquer consideração dos bens e serviços limitados da Terra e da exploração das pessoas. Onde ele chega, cria duas injustiças: a social, gerando muita pobreza de um lado e grande riqueza do outro; e uma injustiça ecológica ao devastar ecossistemas e inteiras florestas úmidas.

Marina fala de sustentabilidade, o que é correto. Mas deve ficar claro que a sustentabilidade só é possível a partir de outro paradigma que inclui a sustentabilidade ambiental, político-social, mental e integral (envolvendo nossa relação com as energias de todo o universo).

Portanto, estamos diante de uma nova relação para com a natureza e a Terra, onde as medidas econômicas preconizadas por Marina contradizem esta visão. Temos que produzir, sim, para atender demandas humanas, mas produzir respeitando os limites de cada ecossistema, as leis da natureza e repondo aquilo que temos demasiadamente retirado dela.

Marina quer a produção sustentável, mas mantém a dominação do ser humano sobre a natureza. Este está dentro da natureza, é parte dela e responsável por sua conservação e reprodução, seja como valor em si mesmo, seja como matriz que atende nossas necessidades e das futuras gerações.

Ocorre que atualmente o sistema está destruindo as bases físico-químicas que sustentam a vida. Por isso, ele é perigoso e pode nos levar a uma grande catástrofe. E com certeza os que mais sofrerão, serão aqueles que sempre foram mais explorados e excluídos do sistema. Esta injustiça histórica nós não podemos aceitar e repetir.

Fonte: http://www.viomundo.com.br

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